domingo, 26 de setembro de 2010

OUTRA VEZ OS SUBMARINOS!

20/10/09

Alguém acredita que se tivéssemos políticos e partidos do “calibre actual”, no século XV, alguma vez Vasco da Gama teria, não direi, chegado à Índia, mas sequer saído a barra do Tejo?
O autor

O Barracuda, no Tejo, em frente ao Padrão dos Descobrimentos
             Já demos que sobre para este peditório, mas enfim, uma esmola mais não fica mal a ninguém.
            Já não bastava que o processo de substituição da anterior esquadrilha de submarinos (Portugal tem submersíveis desde 1913, primeiro que a Espanha), se tivesse arrastado entre as mais diversas peripécias, durante cerca de 15 anos; que politicamente nunca se tivesse explicado devidamente todo este assunto; que nunca houvesse defesa institucional consistente; que tivessem “inventado” um sistema de financiamento perigoso e caro mais próprio de uma empresa de vão de escada do que de um estado soberano; que tenha havido oficiais generais a discordarem na praça pública da compra dos submarinos, já depois da decisão tomada; que o número de unidades tenha sido reduzido de três para duas, mutilando a nova esquadrilha de coerência operacional; que o lançamento à água dos novos submarinos que deveria constituir um momento de orgulho nacional, se fizesse na semi clandestinidade, etc., etc., para agora que é preciso começar a pagá-los, estando estes já a fazerem provas de mar, corram os mais insistentes boatos que o governo os quer vender! Isto não é sério, mas tem que ser levado a sério.
            E no momento em que se descobre que é preciso dinheiro para os pagar – que ninguém acautelou, apesar de estar previsto nas Leis de Programação Militar que, aliás, também não são para levar a sério – desabam na imprensa notícias, em momento político delicado, de que há eventuais suspeitas de “fraude”/corrupção sobre o ministro que, mal ou bem, teve a coragem de assinar o contrato, e gera-se a maior confusão, com ameaça de processos judiciais, relativamente a falhas grosseiras no cumprimentos da contrapartidas contratuais.
            No auge da confusão no meio de um jantar/convívio/debate/arruada/comício, em que é fértil a nossa vida partidária, o presidente do PS, Dr. Almeida Santos – que já foi nº dois da hierarquia do Estado – pergunta-se a si próprio se é burro, já que lhe escapa a necessidade do país ter submarinos, e nem vale a pena analisar os termos em que o fez, embora fosse curioso saber quem lhe encomendou o sermão.
            O Dr. Almeida Santos seguramente que não é burro, no sentido popular do termo que significa não ser lerdo no entendimento das coisas ou a na verbalização das ideias; não tenho dados para saber se é inteligente, mas é seguramente esperto, senão não tinha tido a vida que teve. Mas, no caso vertente, é ignorante - um ignorante atrevidote. E foi pena que o Almirante Chefe da Armada, questionado sobre a questão, não lhe tenha respondido à letra. Compreendemos a delicadeza da questão, mas é por causa destas e muitas outras que os atrevidotes ignorantes (ou pior do que isso), continuam a dizer e a fazer coisas que vão desgraçando a Nação, com total impunidade. Um dia alguém vai ter que se sacrificar…
            Mas vamos lá condensar rapidamente as razões porque necessitamos dos submarinos (e ainda de muito mais), pois parece que ninguém quer assumir estas coisas.
            Como se sabe as FAs servem em tempo de guerra para combater, pela violência, os inimigos e em tempo de paz, para pôr em respeito os amigos. Neste âmbito devem constituir-se como elemento fundamentais de soberania, dissuasão, segurança e uma outra coisa que se deixou de falar, que é serem garantes da “unidade do Estado”.
            Ora podemos elaborar sobre uma quantidade de missões que os submarinos podem fazer ou ajudar a fazer:
        - manter uma escola de saber centenária;
        - garantir treino autónomo (inclui outros Ramos);
        - valorizar a componente de navios de superficie (sem o seu apoio pouco vale);
        - projectar Poder;
        - obter capacidade de dissuasão autonoma (único meio que Portugal terá,juntamente com os F-16);
        - aumentar as opções tácticas e até estratégicas;
        - vigiar as águas territoriais e a enorme ZEE de que dispomos e,também, a plataforma continental (cerca de três milhões de Km2);
        - ajudar a garantir a navegabilidade de linhas de comunicação marítima de interesse nacional;
        - colaborar no combate ao contrabando e tráfego de droga;
        - aumentar as opções em termos de operações especiais, etc.
            Mas as razões principais são de estratégia pura e dura, que derivam de uma “ditadura” geográfica, que gera uma realidade geopolítica que não podemos contornar, e que é perfeitamente entendível em duas frases de portugueses ilustres de antanho. São eles o cronista Gomes Eanes de Azurara “por um lado nos cerca o mar e por outro temos muro no reino de Castela”; e D. João II, “conter Castela em terra e batê-la no mar”.
            Isto quer dizer, em termos simples, que só temos fronteira com um único país (quatro a cinco vezes mais poderoso) e que não podemos fechar a fronteira marítima que é não só a nossa janela de liberdade como de oportunidade.
E político português que não saiba isto ou não perceba isto, é indigno de ocupar qualquer cargo de responsabilidade. Percebe-se que seja política e diplomaticamente melindroso, quiçá inconveniente, assumir isto publicamente, por isso é que temos que formar elites que saibam estas e outras coisas básicas, que devem constituir os nossos “segredos de família”.
            Não se pode é, ainda por cima, andar a fazer chicana política com coisas sérias. E para o caso de ninguém neste desconchavado país que ainda é o nosso, se ter dado conta, a Espanha está em vias de possuir duas fortíssimas “task force”, uma no Atlântico e outra no Mediterrâneo, com um porta aviões cada e numerosos vasos de guerra de superfície e submarina, do mais moderno que há no mundo. Não pagam em leasing e não há notícias de contestação.
             Por tudo isto faz todo o sentido que os novos submarinos “Arpão” e “Tridente” sejam aumentados ao efectivo da “Briosa” e que a população se reveja neles e acarinhe as guarnições, porque na roda do leme, continua lá escrito “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”.
            O que não faz sentido é gastar-se biliões de contos, por exemplo, no sistema educativo e o resultado ser a medíocre formação da grande maioria dos nossos jovens em termos culturais, físicos, morais, cívicos, ou seja em todos os âmbitos que devem fazer parte da formação de um cidadão completo.
            O que não faz sentido é ter submarinos e depois não os operar de um modo eficaz (que não eficiente), não haver gente que se proponha a arriscar a vida a operá-los ou, sendo necessário, não existir liderança com coragem para mandar disparar. Isto sim, seria um desperdício.
            Não querer submarinos é renunciar à independência. E, calhando, é isto mesmo o que está em causa.
            Gostaria de voltar a ter gente séria a governar o meu país.

A “CRISE” DA INSTITUIÇÃO MILITAR

Como se sabe o derradeiro artigo do General Loureiro dos Santos no jornal “O Público” sobre os motivos (mais do que justos) da indignação militar que tem afectado as Forças Armadas (FAs), gerou uma pequena tempestade mediática.
            Pelo meio ocorreu um jantar na antiga FIL, promovido pela Associação de Oficiais das FAs – aliás já programado – para debate dos problemas existentes e procura de pistas para o futuro e que ganhou notoriedade pela polémica então gerada. Como o meu nome apareceu referido publicamente como tendo participado e falado, no referido jantar, venho transcrever o que então disse para que não haja dúvidas ou interpretações incorrectas sobre o que entendi dizer.
            *****
            “Estamos todos aqui a fim de procurar soluções para o descaminho porque vai a Instituição Militar e as desconsiderações que têm sofrido a condição militar e os militares.
            Porque entendo que não se pode andar para a frente sobre bases falsas vou tentar recuar um pouco no tempo e fazer um breve sumário de como chegámos à situação actual. Sem isso só por bambúrrio faremos as opções correctas.
            Tentarei cingir-me a factos sem os adjectivar, tecer considerações ou juízos de intenções. Isso só serviria para aumentar as clivagens entre nós.

O público como todos os soberanos, como os reis, os povos e as mulheres, não gosta que se lhes diga a verdade”
Alexandre Dumas

            A questão fundamental que temos pela frente – que a IM tem pela frente – é uma questão de respeito. Isto é, de nos darmos ao respeito. Só assim poderemos ser respeitados. Ora o problema é que nós não nos temos dado ao respeito. Por uma simples razão: não estarmos em condições de o fazer.
            Quando era cadete e dei História Militar, passava-se pela I Grande Guerra, como cão por vinha vindimada.
            Sabem porquê? Porque a nossa participação, de um modo geral, correu mal. Do mesmo modo, na História que aprendi no liceu, quase não se falava no século XIX português. Sabem porquê? Exactamente, porque correu muito mal. Ora nós perante o que corre mal o que fazemos? Fazemos o que a mulher a dias coira faz: pomos o lixo debaixo do tapete. A sala fica aparentemente limpa, mas só aparentemente, pois o lixo está lá.
            Para se decidir correctamente o que fazer hoje temos ainda que recuar ao pós 25 de Abril. Ora as consequências para a IM decorrentes do 25/4, foram péssimas. Por mais que muitos de nós julguem que foram boas. Vou tentar explicar porquê.
            As FAs sairam de mal do 25/4, com a Extrema Direita – que aliás praticamente não existia desde que o Prof. Salazar tinha acabado com o Nacional Sindicalismo de Rolão Preto – ficaram de mal com a chamada “Direita”, por causa do 11 de Março de 75,e das nacionalizações; com o PCP e a Extrema Esquerda,por causa do 25 de Novembro de 75 ; com os “retornados” do Ultramar (que representavam cerca de 9% da população) por causa da Descolonização, adjectivada inicialmente de “exemplar”; com a população rural, por causa da “dinamização cultural”, da reforma agrária e das ocupações selvagens; com as forças ditas do Centro (onde se engloba o CDS, o PSD e o PS), por preconceitos culturais e políticos e sobretudo por causa do Conselho da Revolução e do Pacto MFA/Partidos, que estes assinaram mas nunca aceitaram.
            A Lei 29/82 (da Defesa e FAs) parece até um ajuste de contas com tudo isto.
            Resumindo as FAs, por uma razão ou por outra, acabaram de ficar de mal com todos. Creio que será difícil conseguir pior em qualquer parte do mundo.

            Agora vejamos o que aconteceu aos quadros da altura. Numa só geração os oficiais e sargentos do quadro permanente, formados num quadro de referências totalmente diferente daquele que se veio a institucionalizar após a revolução, e tendo já aguentado com uma ou mais comissões no Ultramar, tiveram que passar pela “experiência” do PREC – que deixou a tropa praticamente destruída – a recuperação do mesmo PREC – que, deve dizer-se, foi notável mas se cingiu maioritariamente ao âmbito “material” da Instituição – para apanharem depois com doses maciças de propaganda anti militar (não é a mesma coisa que anti-militarista …), que se prolonga até aos dias de hoje.
            O que quero dizer com isto tudo é que a cadeia hierárquica que fez a guerra ou ainda foi formada no regime anterior esgotou-se e não está psicologicamente capacitada para fazer frente ao plano inclinado em que colocaram as FAs e os militares.
            Chamo ainda a atenção para mais alguns pontos: a recuperação “material” da IM (os edifícios, os equipamentos, a disciplina, a hierarquia, o treino, a doutrina, etc) não foi acompanhada devidamente pela recuperação espiritual (a deontologia, as virtudes militares, a camaradagem, o espírito de corpo, a confiança nos chefes, etc); depois da revolução – que era para ser apenas um golpe de estado -  e quando os ânimos serenaram, não se separou o trigo do joio, isto é, não se apartou os militares que não se portaram segundos os ditames da “virtude e da honra”, daqueles que se  mantiveram dentro das baias que os deveres militares obrigam. Antes pelo contrário, tentou-se e permitiu-se, tentar ultrapassar todas as barbaridades cometidas, distribuindo subsídios e promovendo todo o bicho careta a coronel.
            Depois nunca se assumiu que a generalidade da classe política que nos passou a governar, além de ignorante sobre a “coisa militar” não tem boas intenções relativamente à IM e aos militares. Ora se basearmos a nossa “ordem de batalha” em informações ou crenças erradas, o resultado será o desastre.
            Com isto dito, nunca se conseguiu até hoje, delinear nenhuma estratégia, a não ser a de encaixar danos e ir, nem sempre da melhor maneira, contornando intenções e até decisões. Passámos a viver num teatro de sombras.
            Como corolário nunca se promoveu o estudo e reflexão do que se passou contemporaneamente, utilizando-se constantemente a técnica da mulher a dias, coira.
            A cereja em cima do bolo passou a ser a falta de entendimento crónico que as levas sucessivas de camaradas nossos que ostentaram estrelas em número de quatro, passaram a ostentar sobre o que fazer e actuar concertadamente (com honrosas excepções). E quando eu digo que não se entenderam nem entendem cobre quase tudo e  vai da cor dos atacadores das botas à compra de submarinos.
            Este diagnóstico é factual e explica porque temos vindo a coleccionar derrotas e explica também, que a IM esteja quase em extertor e parte da opinião pública pense que ainda temos a gasolina mais barata …
            Chamo apenas a atenção que sem IM Portugal desaparecerá. Convém ter isto presente.
            Por último, quero dizer que nós tendemos a indignar-nos não por princípios, mas por conveniências.
            Muitos de nós, aliás, só começaram a ficar incomodados, quando não foram colocados num lugar que ambicionavam ou, sobretudo, quando não eram nomeados para o curso de promoção a oficial general.
            Por isso é que quando a nível político se cometeram crimes de lesa Pátria (e a nós pagam-nos para defender a Pátria) poucos se indignaram; mesmo a nível militar, quando nos dão machadadas institucionais, por exemplo, quando acabaram como os tribunais militares; extinguiram o serviço militar obrigatório; quando oficiais generais são achincalhados na praça pública; quando se vende património ao desbarato; quando se mente descaradamente; quando há intromissões abusivas na cadeia hierárquica; quando se quer reduzir a profissão militar a um emprego como outro qualquer, etc., um etc longo e doloroso, pouca gente se indigna.
            Quando, porém, nos começam a ir ao bolso ou nos mexem nas carreiras, aqui d’el rei.
            Ou seja nós acordamos para a luta, tarde e nem sempre pelas melhores causas. E, podendo não ser evidente, estou em crer, que se defendêssemos os Princípios, logo que são postos em causa, ninguém mais teria a ousadia de nos querer confiscar os (parcos) direitos.”

AS “REFORMAS” DAS FORÇAS ARMADAS

15/07/2008

           Anda para aí grande sururú e mal estar, novamente, por causa de uma nova reforma (mais uma) que se quer intentar.
           Desta vez tem a ver com a mudança que se pretende efectuar a nível das competências dos quatro chefes, Marinha, Exército, Força Aérea e CEMGFA, com reforço das competências deste último, que irá afectar profundamente o funcionamento do Conselho de Chefes (cCEMs) e na criação de um comando operacional conjunto, que substituirá (?) os quatro existentes e será concentrado supostamente em Monsanto.
            Pessoalmente estou cansado de ouvir falar em reorganizações, ainda por cima quando se pode provar facilmente que a Instituição Militar (IM) foi aquela que mais se reformou desde há 35 anos (e então reduzir nem se fala…), em todos os serviços do Estado.
            Esta questão das reorganizações militares tem larga tradição entre nós nos últimos 200 anos. Só que, neste espaço de tempo só houve 3 ou 4 dignas desse nome: a de Beresford durante as invasões francesas; a de Fontes Pereira de Melo, em 1884, a de Santos Costa em 1937 (que começou na Armada em 1931) e a de 1958, que ficou longe de se completar por entretanto ter rebentado a subversão em Angola, em 1961. E sabem porquê? Basicamente por duas razões combinadas: a falta crónica de dinheiro (ou vontade de o aplicar) – e sabe-se que uma verdadeira reforma carece inicialmente de grande investimento, sob pena de se tornar uma despesa inútil -, e a inexistência de entendimento sobre o que fazer (cromossomático!) e autoridade para implementar.
            Daí que a maioria das reformas, de que o século XIX e a I República foram paradigma, fossem apenas um exercício patético de intenções limitando-se, o mais das vezes, a mudar-se de uniformes, alterar a designação ou o número dos regimentos e a mexer-se na quantidade de regiões militares. De substância, nada!
            Estamos no início do século XXI, cheios de computadores, instituições democráticas, especialistas em tudo, doutorados q.b., etc. mas naquilo que é essencial, parece que não conseguimos aprender nada!
            Não desejamos entrar na discussão técnica da matéria, mas queremos dizer que a reforma neste momento não aparenta ser necessária, porque não é prioritária, a nenhum título, nem visa corrigir procedimentos ou estruturas que estejam a afectar negativamente a operação seja do que for.
            Grave é  andar-se constantemente a mudar hoje o que se fez ontem, como é o caso por exemplo de se enviar o Centro de Instrução de Comandos num curto espaço de tempo da Carregueira para Mafra e de volta à Carregueira, havendo pelo meio quem os quisesse fixar em Beja; ou ter-se decidido na FA que os P3P iam para Ovar e o Centro de Formação Técnica, para Sintra, e passado pouco tempo enviou-se os primeiros para Beja e a segunda foi apontada para Ovar! E nem sequer se compreende que isto se passe assim, pois como se trata de alteração ao dispositivo devia carecer de ir a Conselho Superior de Defesa Nacional. Pormenores.
            Na marinha estas coisas talvez se passem menos dado que 90% da Armada estar concentrada entre o Terreiro do Paço e o Vale do Zebro.
            Ora o que se pretende realizar agora está à partida inquinado, dado que as divergências entre as partes mais directamente envolvidas são graves, públicas e notórias – outro problema em que não aparenta haver o mínimo pudor em resguardar. Desta feita – dizem – está o poder político, representado pelo MDN e Secretário de Estado, e o CEMGFA para um lado e os chefes dos ramos para outro. Diversos “comentadores” têm vindo à liça em defesa de uns e outros.
            Ora parece haver qualquer coisa de errado nisto tudo e julga-se que o sucesso independentemente do resultado – se o houver -, está comprometido à partida.
            De facto a pedra de toque de tudo o que se tem passado nas FAs desde que se parou a deriva totalitária e anarquizante, em 25/11/75 e, sobretudo, a partir da entrada em vigor da Lei da Defesa Nacional e das FAs, em 1982, tem sido o desentendimento, por um lado, e o não entendimento, por outro (não é a mesma coisa…), sobre o que fazer e como fazer. É uma maldição que nos persegue.
            Ultrapassa a nossa capacidade de compreensão, aliás, como é que quatro oficiais (não são quarenta…), com larga experiência da vida e dos homens, “mestres” nos mesmos objectivos, formados em escolas cujas bases de ensino são estruturalmente as mesmas e camaradas no mesmo ofício, não tenham o bom senso e o patriotismo de se entenderam (mesmo que não concordem), sobre um número considerável de assuntos. E ainda se torna mais incompreensível quando tal se evidencia por um tão longo período de tempo e com as consequências negativas e contumazes que daí têm resultado.
            Por isso, bem melhor fariam em congregarem esforços para preservarem as débeis capacidades que restam às FAs; manterem os quadros bem formados e as tropas bem comandadas e treinadas e conseguirem os meios necessários e consentâneas com o cumprimento das missões que estão atribuídas, de modo a retirar a IM do limiar da sobrevivência anímica e material em que patina.
            Encontrar uma equipa de políticos para a área da Defesa que tenha boa intenção e saiba do seu ofício e quatro generais e almirantes que se entendam, isso sim, seria uma “reestruturação” que valia a pena tentar.
            Animem-se, porém: a Merche Romero, para a semana já vai arranjar namorado; o Ronaldo recupera bem do tornozelo e a selecção já tem treinador, certamente a ganhar mais por mês do que os quatro chefes por ano... Está tudo porreiro, pá.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O EXEMPLO DA IRLANDA E O “CASO” PORTUGUÊS

12/12/2009

            Confesso que tenho pelo povo irlandês muita simpatia. São celtas “puros”, católicos devotos e simples, gente sociável e amiga, temperada por um clima difícil e amalgamada por uma História algo injusta, onde um colonialismo inglês, muito pouco cristão, deixou um travo amargo.
Vem isto a propósito da “crise financeira” – que é muito mais moral do que financeira - que abala o mundo, sobretudo o mundo ocidental. Também a Irlanda, depois de se ter alcandorado a um desenvolvimento recente muito elogiado, mas que se verifica agora ter sido fictício, entrou em crise profunda. E tanto maior é a crise quanto maior foi a ficção.
            Confrontados com os desatinos que estão a pôr os Estados à beira da bancarrota e as nações na esquina de graves confrontos político-sociais, o actual governo irlandês tomou a decisão - certamente uma entre muitas - de cortar os vencimentos dos funcionários públicos em 10%. É certo que o combate a esta crise de contornos globais implica um conjunto de medidas complexas e complementares tanto de carácter nacional como internacional.
Mas não é isso que interessa analisar agora, o que interessa é dilucidar este particular. O governo irlandês não se limitou a cortar os 10% ao funcionalismo, também cortou 15% ao vencimento dos ministros e 20% ao do primeiro-ministro. E assim é que está certo. Havendo uma hierarquia no Estado, na sociedade, nas empresas e nas instituições, etc., quem tem mais responsabilidades é que tem de dar o exemplo e a seguir tem que se revelar competente a resolver os problemas, sem esquecer a justiça social com que o faz, isto é, a divisão equitativa do esforço e da recompensa.
Só assim é que a população pode rever-se e acreditar na liderança que tem – e neste caso, bem ou mal, elegeu -  e darem-se todos as mãos para saírem da(s) crise(s) em que a roda da vida, ciclicamente as imerge. O que acabo de escrever, não é demagogia, não são frases ocas, não são figuras de retórica. As pessoas pensam assim e as coisas passam-se assim.
            Ora, em Portugal, tudo corre ao contrário do que  devia. Além de esconder (mentir) miseravelmente e de uma forma continuada, as graves realidades que afectam o Estado e a Nação (palavra maldita …), quando há um aperto qualquer a que já se não pode fugir ou escamotear, os responsáveis políticos que nos regem atiram, constantemente, o ónus da resolução dos problemas – de que eles são os principais responsáveis! - para cima do desgraçado do contribuinte, ou para as calendas da dívida pública.
E nunca dão o exemplo. Por isso é que a Presidência da República continua a custar mais ao erário público do que a Casa Real Espanhola; o orçamento para a AR não pára de aumentar; os 13(!) juízes do Tribunal Constitucional – que é um tribunal de nomeação politica – usufruem de carros de luxo no valor estimado de cerca de 700.000 euros que, aparentemente, podem utilizar para uso pessoal – o que é excepção aos outros tribunais; a contribuição pública para os Partidos Políticos – que estão a caminho de ser não “pilares estruturantes da democracia”, mas os seus coveiros – é um sorvedouro, que nunca ninguém perguntou ao povo se queria pagar (na Idade Média teriam que se reunir Cortes para isso…); os gestores públicos continuam a usufruir de honorários e prebendas, pornográficas enquanto a maioria das empresas públicas acumula deficits exponenciais.
A injustiça no pagamento de impostos é aquilo que se sabe e o ridículo (e falta de vergonha na cara) já teria morto o governador do Banco de Portugal quando se esfalfa a defender a diminuição dos réditos do cidadão comum, quando ele ganha mais do que o seu congénere estado-unidense, e nem sequer consegue controlar – ou dar conta! – das vigarices que se têm passado no sistema financeiro português de que os casos mais eloquentes não saiem das páginas dos jornais.
            Os bens nacionais têm sido saqueados, é o termo. E como não há autoridade nem bons costumes, a corrupção passou a campear infrene, ameaçando subverter o Estado e desqualificando-nos enquanto sociedade.
            Perante todo este cenário, que é real, e por todos intuído, com diferentes graus de entendimento, alguém está à espera que a generalidade da população acredite nos políticos, aceite de boa mente o que dizem, e queira fazer sacrifícios para sair da crise? Só os tontos, mesmo.
           A população (embora não isenta de culpas) está entretida a sobreviver e a acumular uma raiva – que ainda não é de morte, mas para lá caminha – enorme, à classe política.
            Têm pomposamente chamado a este regabofe de “Democracia”, com algum pão e muito circo à mistura.
            Tenham cuidado, pois não há pão que sempre dure e circo que não se acabe.

O GENERAL EANES E A QUEDA DE GOA

 07/05/2010
“Pai, fostes cavaleiro hoje a vigília é nossa …”
Fernando Pessoa (sobre Afonso H.)

António Ramalho Eanes
             No dia 4 de Maio foi lançado na Fundação Gulbenkian, o livro “Revisitar Goa, Damão e Diu, 45 anos depois”, que faz a compilação dos textos lidos nas quatro sessões do 1º ciclo de Conferências da Cooperativa Militar, iniciado em 23/9/2006 e terminado em 15 de Novembro do mesmo ano.
             O livro foi editado pela Liga dos Combatentes e apresentado pelo General Ramalho Eanes (RE).
            Devo começar por dizer que conheço o General RE desde o tempo em que era cadete aluno na Academia Militar, (1971/2) e tenho por ele a maior estima e consideração.
Creio ser considerado por todos com um bom militar, que se bateu com pundunor nos teatros de operações ultramarinos, nada se sabendo que obste a considerá-lo um homem íntegro, sério e leal aos seus compromissos e amizades.
E mais até, do que considerar a sua prestação como PR, devemos estar-lhe grato pelos exemplos de cidadania que deu ao País, no sentido em que nunca quis quaisquer honras ou prebendas para si ou os seus, e no gesto de recusar os retroactivos de remunerações com que, tarde e a más horas, lhe quiseram ofertar.
De tal modo este último exemplo sai fora do comum, na actual vivência político/social, que o gesto foi convenientemente ocultado…
            No que toca, porém, à apreciação dos factos, intenções e políticas seguidas, relativamente ao que se passou no Estado Português da Índia, entre 1947 e 1961, feita por RE na apresentação do livro, vejo-me na contingência de discordar do que disse, sobretudo do fundo  do que disse.
            É neste âmbito, pois (interpretação, história, política e estratégia), que a minha escrita deve ser entendida. Passe a impertinência do pupilo face ao antigo mestre…
            Lembremos, muito resumidamente, o que se passou na Índia: os portugueses estabeleceram bases permanentes na península industânica e governo próprio, desde que Afonso de Albuquerque conquistou Goa, em 1510.
Vicissitudes históricas de séculos, fizeram “variar” os territórios portugueses, até que as fronteiras dos mesmos estabilizaram por meados do século XVIII, estabelecendo-se acordos com a Inglaterra, potência que passou a dominar os territórios contíguos.  
            Consolidou-se uma cultura própria indo-portuguesa, distinta de tudo o mais, chegando-se ao fim da II GM em harmonia vivencial. Os territórios que restavam eram Goa, Damão e Diu e os enclaves de Dadrá e Nagar Aveli, que tinham a categoria de “Estado”, desde  o século XVII. Eram menos de 4000 Km2 e habitados por cerca de 600.000 almas.
            Em 1947 a GB decidiu dar a independência aos territórios que admnistrava, que de imediato se dividiram em União Indiana (UI), Paquistão e Sri Lanka. Até hoje contam-se três guerras e uma tensão bélica constante, entre os dois primeiros.
            O 1º Presidente da UI, o Pandita Nerhu, logo após a independência resolveu reivindicar os territórios portugueses (onde estávamos há 450 anos) para a soberania do seu nóvel país, não havendo um único argumento sério que sustentasse tal despautério.
O governo português recusou alinhar no esbulho. As relações diplomáticas foram cortadas, em 1955, por iniciativa da UI.
            Daí até 1961 a ofensiva da UI pode ser dividida em quatro fases: a primeira, com início em 1947, dura até ao ataque a Dadrá e Nagar Aveli, em 1954. É a fase da persuasão e pressão política para negociar a entrega; a segunda fase cobre a reacção indiana às tentativas de recuperação dos enclaves por parte de Portugal.
A estas diligências responde Nova Deli com violações de fronteira, subversão interna, propaganda, guerra de nervos e agitação internacional, bloqueio, perseguição às comunidades goesas na UI, etc; a terceira fase é a do debate internacional que se prolonga de 1955 a 1960,acabando o Tribunal Internacional da Haia,para quem Lisboa apelou, por dar razão a Portugal. Portugal ultrapassou e venceu estas três fases.  
            Vendo frustradas todas as suas maquinações, o governo indiano – que se reclamava, aliás, de pacifista – optou pela única forma que lhe restava, isto é, a agressão militar. E foi isso que fez na madrugada do dia 18 de Dezembro de 1961. Utilizou cerca de 45000 homens, com artilharia e blindados, toda a sorte de aeronaves e uma forte esquadra.
As forças portuguesas (cerca de 3500 homens) estavam muito debilitados, sob todos os pontos de vista, ofereceram pouca resistência e renderam-se em pouco mais de 24 horas. O cobarde ataque foi condenado pelo Conselho de Segurança da ONU, mas a URSS opôs o seu veto. Portugal foi abandonado pela maioria dos que se diziam seus aliados.
O governo português (até 1974) nunca reconheceu de jure (e bem!) a invasão e ocupação – que nem sequer teve a decência de uma declaração de guerra prévia – mantendo sempre a luta pelos direitos que assistiam a Portugal e sempre em termos de grande dignidade. Tudo isto são factos indesmentíveis.
            O Sr. General RE, porém, não parece ter a mesma leitura, nem retira as mesmas conclusões.
            De facto, o seu discurso – bem elaborado e dito – é desequilibrado no conteúdo e está cheio de contradições. As conclusões e as mensagens têm que reflectir tudo isso.
            O fulcro da sua intervenção resume-se numa frase: “a queda de Goa foi uma questão nefasta”. É certo, a dificuldade reside no desenvolvimento da ideia.
            Começou por indicar Nerhu e Salazar como os principais responsáveis. Ao primeiro destinou, porém, duas ou três frases, ao segundo três páginas…
            Aparentemente, Nerhu não devia ter invadido o território, o que se explica por se ter desviado do princípio da autodeterminação (que nem sequer era claro naquela época …), e .. disse! Nem sequer ficámos a saber qual a sua opinião sobre a justiça e o direito do(s) procedimento(s)…
            Mas quanto a Salazar foi pródigo nas críticas, começando por dizer esta coisa espantosa: que o estadista português (estadista é palavra nossa) tinha perdido uma oportunidade soberana de a partir de 1945 ter constituído um novo “Brasil” no Oriente! Dizer isto em 2010, corresponde a considerar RE um visionário retroactivo! Desculpará o Sr. General mas a sua idade e longa experiência, já não são compatíveis com ingenuidades.
Há muito que se estuda em todas as universidades (talvez com a excepção da do Dr. Rosas), que o que aconteceu após a II GM tem a ver directamente com a Guerra Fria e que o que estava em causa verdadeiramente, era a substituição de soberanias e não a autodeterminação dos povos. E mesmo que esta ideia aparentemente filantrópica colhesse apoios, que probabilidade é que Goa, Damão e Diu tinham em termos geo políticos, de passar a ser um novo “Brasil”, no Oriente? E, posteriormente, Nerhu não declarou no parlamento indiano, que nunca admitiria um estado da India independente nem toleraria a presença portuguesa mesmo que os goeses o quissessem?. E não se opôs a um referendo? Como entende o Sr. General que se pudesse constituir um novo “Brasil” nestas circunstâncias?
            Por outro lado, como se pode negociar com uma potência cuja única coisa que aceita negociar é a transferência imediata da soberania? E a que título é que o governo português poderia concordar com tal? Ou o Senhor General entende que se deve entregar o ouro ao bandido, sem se esboçar qualquer tipo de resistência? E devemos também ficar contentes com isso?
            E já que é tão crítico da atitude do governo português,diga-me, alguém fez melhor? Isto é, a política seguida pela Inglaterra, pela França e pela Holanda, por ex., que colonizaram, melhor dizendo, exerciam ou exerceram colonialismo, no Industão, acaso obtiveram melhores resultados do que nós?
            RE diz uma coisa de Salazar e o seu contrário e sobretudo pretendeu entender-lhe intenções ou “maquiavelismos”, que julgo não terem razão alguma de ser. É um facto de que a nível militar se cometeram muitos erros e foi irrealista fixar o prazo de oito dias de resistência para que nesse tempo se pudessem mobilizar as instâncias políticas e diplomáticas.
Mas ao contrário do que RE sugere, tenho as mais sérias dúvidas que Salazar tivesse sido informado do real estado das tropas. É certo que ele era o ministro da Defesa – por razão do golpe Botelho Moniz e da situação em Angola – mas é incorrecto atribuir-lhe a responsabilidade directa da situação das mesmas. De facto que culpa se pode atribuir a Salazar da maioria das munições estarem fora de prazo e estragadas? Ou que as tropas estivessem desmoralizadas? Que foi feito da hierarquia e da acção de comando? Não haver defesa civil no território também era culpa do Presidente do Conselho?
É certo que Salazar queria diminuir os gastos anuais com a defesa, mas alguém além de Santos Costa o contrariou? E a ideia de reduzir as tropas ainda mais, em 1960, não foi proposta de Costa Gomes, então Subsecretário de Estado do Exército? A mente carteziana do general (formou-se em matemática com 18 valores) raciocinou em conformidade: podendo a UI multiplicar arbitrariamente o número de tropas e equipamento que nós lá colocassemos, de que serviria estarmos a consumir as reservas que nos podiam vir a fazer falta (como fizeram!), em África?
            É certo que para se pedir a uma força militar que se bata com dignidade é necessário dar-lhe um mínimo de meios, mas as razões porque tal não se passou são um bom tema para um futuro grupo de trabalho que faça a análise de tudo o que se passou, à semelhança do que se tem feito para Angola, Guiné e Moçambique.
            O que me parece é que, até ser demasiado tarde, ninguém acreditou, ou quis acreditar, que a invasão se daria…
            Deste modo, parece muito desajustado na prédica do General RE, que o fautor das pérfidas reivindicações e do escabroso ataque, não seja condenado sem hesitações, pois não tem razão alguma em tudo o que fez; ao contrário de Salazar que sai invectivado de tudo e mais alguma coisa, quando apenas se limitou a cumprir o seu dever de salvaguardar as terras e as gentes que viviam debaixo da bandeira das quinas e que durante cerca de 14 anos (não foram 14 dias) conseguiu resistir e frustrar, vitoriosamente, todas as malfeitorias indianas.
O antigo Presidente do Conselho pode ser criticado por métodos que tenha utilizado, decisões que tenha tomado, opções que tenha feito. Isso pode. Agora atacá-lo por se ter decidido à defesa do património da Nação, julgo ser um erro de análise grave.
            Outra contradição insanável tem a ver com o elogio que RE fez (como muitos outros) aos militares portugueses que lutaram e morreram, sobretudo aos que praticaram actos de valor e heroísmo. Neste âmbito RE até se emocionou. Ora não se pode elogiar estes e, ao mesmo tempo, tal não implicar uma crítica para quem não lhe seguiu o exemplo. Quando, porém, se “desculpa”  quem não cumpriu os seus deveres militares, está-se automaticamente a chamar “idiotas” a quem decidiu vender cara a pele…
            De facto os militares portugueses, naquela circunstância, não necessitavam de lutar até ao último homem, mas deviam cumprir o que estava prescrito na Carta de Comando, que mandava lutar até ao esgotamento dos víveres e munições. Os “deveres” políticos, diplomáticos, militares, etc., devem ser cumpridos independentemente uns dos outros, isto é, o não cumprimento de uns (a acontecer) não implica automaticamente o não cumprimento dos outros.
            Numa palavra, aconteça o que acontecer é necessário salvaguardar, “in extremis” a Honra da Bandeira, que é a Honra de todos nós. E não se pode sair disto, sob pena de não precisarmos de Exército para nada.
            Quem é que RE escolheria para patronos dos futuros cursos das Academias Militares: Oliveira e Carmo ou Vassalo e Silva? Santiago de Carvalho, ou o Brigadeiro Leitão? E se fosse professor, que ensinaria aos cadetes sobre como se deveriam comportar como futuros oficiais? Que só devem lutar quando estão em superioridade? E que tipo de superioridade? Que não façam nada se não tiverem ordens superiores (como aconteceu por exemplo, em Timor, em 1975?); resolvem na altura com votação de braço no ar? O quê? Em que doutrina assentamos? Que teria feito RE quando foi chefe do Exército, se tivesse aparecido na fronteira do Caia, a Divisão Brunete, em ordem de batalha? (como quase aconteceu depois do desvario do saque à embaixada de Espanha, nos idos do PREC). Que ordens daria?
            Porque não criticou a inacreditável atitude de Mário Soares, quando em Dezembro de 1974 e sem consultar ninguém, se comprometeu a reconhecer de “jure” a odiosa invasão de Goa, uma vez que se cruzou com o MNE indiano, numa reunião da ONU? Concorda com isso? E se concorda como encara o corte de relações com a Indonésia, uns meses depois, após este país ter invadido Timor Leste numa operação, muito menos gravosa do que a efectuada pela UI relativamente a Goa?
            O livro, ora nos escaparates, tem textos e opiniões para todos os gostos e feitios. Mas a História que ficar escrita para o futuro não comporta tantas versões. E sobretudo não pode (deve) ser escrita por pessoas que, de algum modo, possuam algum capital de interesse ideológico, conveniência material, afectação de sentimentos pessoais, necessidade de branquear comportamentos próprios, de amigos, correligionários ou familiares ou qualquer outro estigma que possa adulterar a visão imparcial dos eventos e das intenções.
            Um objectivo, todavia, virtualmente improvável de atingir em qualquer época ou local.

O DR. MÁRIO SOARES E OS REBATES DE CONSCIÊNCIA

18/04/2010

Mário Soares
            O Dr. Mário Soares (MS), agora simples cidadão, outrora ministro dos negócios estrangeiros, com especiais responsabilidades no processo que levou à independência (forçada!) dos antigos territórios portugueses, em 1974/75 veio, num dos muitos colóquios para onde é convidado, afirmar coisas.
            E entre elas existe esta coisa espantosa: S. Excelência veio revelar o que aparentemente estava escondido no mais recôndito do seu bestunto, ou seja,  que ele foi sempre um fervoroso adepto de que Cabo Verde não devia ser independente, pois teria mais a ganhar se tivesse ficado ligado a Portugal! As reacções foram quase nulas, com excepção de desbragados dizeres que inundaram a blogosfera e que se esgotam nesse âmbito.
           A razão de tal, creio que é fácil de identificar: à força do Dr. MS nos ter habituado a dizer uma coisa hoje, e o seu contrário amanhã, já ninguém se incomoda, e sorriem. Os mais causticos invocam a acção de um estranho alemão, com nome começado por “A” para explicar o fenómeno. O povo na sua sabedoria, que se perde na bruma dos tempos, identifica estes actos apelidando-os de “troca tintas”.
            Vejamos, sucintamente o que se passou naqueles tempos: uns então jovens camaradas meus, há uns 36 anos a esta parte, revoltados por causa de uma lei que, insensatamente, lhes prejudicava as carreiras, decidiram protestar contra aquela e resolveram reunir-se, às dezenas, em vários pontos do território nacional. A maioria – não tenho dúvidas – era bem intencionada (nós somos poucos  e conhecemo-nos todos …), mas sofria de grossa ignorância sobre a História, as coisas da vida e sobretudo daquilo que era a Política e as Relações Internacionais. Sabia isso sim, de tropa e … futebol. E gostavam bastante, honra lhes seja, de falar de mulheres. Enfim, outros tempos…
            Excitados por uns quantos e infiltrados por outros (estes últimos tinham lido a esmo, uns livros sobre alguns “ismos”), rapidamente evoluíram das reivindicações profissionais, para objectivos políticos que vieram a consubstanciar-se no derrube do governo/regime, que dominava os órgãos do Estado. O facto da Nação estar a enfrentar uma guerra de guerrilha orquestrada e apoiada por uma parte substancial da comunidade internacional (coisa recorrente desde que somos independentes e sobretudo desde a coroa dual Filipina…), e ataques no âmbito político, diplomático, económico/financeiro e psicológico, que a colocavam numa perigosa esquina da sua já vetusta História, não lhes deve ter ocorrido e preocupado. Também o que é que se podia exigir de “rapazes” que nem sequer tinham ouvido falar no Dr. Álvaro Cunhal, como um deles recentemente afirmou, por alturas de Novembro.
            Ora consumado o golpe, logo fizeram esta coisa de antologia que foi, “esquecerem-se” de proclamar o estado de sítio – resultou que o poder caíu na rua – desatando a prenderem-se uns aos outros, sem regras – o que estilhaçou a coesão da Instituição Militar.
            Na sequência foram receber com vivas e foguetes, vários apóstolos transviados que eles não conheciam ou vagamente tinham ouvido falar e que andavam há anos a penar pela estranja, muitos deles, ajudando objectivamente os inimigos que nos atacavam e emboscavam as tropas. É de crer que alguns dos que rapidamente viraram revolucionários, tenham sofrido com isto e tenham visto alguns dos homens que comandavam, perecer. A alucinação dos tempos idos, deve ter-lhes obliterado a consciência… Um destes personagens que então chegaram, chamava-se MS.
            Alcandorado a ministro, por obra e graça das acções que tinha feito – então apelidados de meritórias ou simplesmente de “antifascistas” – MS dedicou-se a pôr em prática a alienação sistemática dos nossos territórios e populações para a órbita das forças marxistas e apenas dessas. Se isto foi feito por ignorância, despeito, vingança, ou por obrigação a acordos feitos previamente, com forças internacionalistas ou governos ávidos de nos abocanhar as partes, é assunto que um dia se conhecerá com clareza. O que foi feito, seguramente o foi à revelia dos portugueses (incluindo ou não caucasianos) e dos interesses nacionais. Isto, antigamente, tinha um nome!
            Deste modo, numa sequência veloz e demoníaca, se alienou a Guiné, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola. Timor foi ocupada pela Indonésia que não esteve para aturar os desvarios de Lisboa, e só não se largou Macau, logo ali, porque a China – que aliás nunca tinha reivindicado o território – impôs calma e ponderação.
            Tudo se fez de maneira atribiliária, sem respeito por nada e sem sequer se seguir os ditames prescritos na ONU, para os casos de verdadeiro colonialismo (que não era o nosso caso), ou seja aquilo que os correligionários de MS e outros, clamavam havia anos!...
            Não contente com todo este descalabro que nos envergonhará para todo o sempre, que originou um “holocausto”, de cerca de um milhão de almas e sofrimentos inimagináveis para outros milhões – o Dr MS, resolveu, por sua iniciativa e sem consultar os “poderes” do Terreiro do Paço – desatar aos beijos e abraços, na ONU, ao ministro dos estrangeiros indiano, oferecendo-se para reconhecer oficialmente a crapulosa invasão de Goa, Damão e Diu, pela União Indiana, em 17/12/1961. Estava-se em Dezembro de 1974, ficando a ignomínia consumada por lei de 1975 (apesar de sair com data de 1973…).
            Tiveram o despudor de chamar a tudo isto de “descolonização exemplar”…
            Ora é este excelente português que agora vem dizer que Cabo Verde não devia ser independente. Mais, que tem dúvidas que o arquipélago possa ser considerado africano. O Dr. MS só pode dizer isto porque desconhece o significado do termo “vergonha” e por ter aprendido na escola da baixa política onde pelos vistos se formou, a dizê-lo com a maior desfaçatez e à-vontade.
            De facto nunca deve ter ocorrido ao Dr. MS, que a situação geográfica é marginal ao direito dos povos constituírem países. Que se saiba, os EUA não têm quaisquer problemas por terem comprado o Alaska ou ocupado o Hawai; e que a URSS e agora a Rússia, nunca se tivessem preocupado em ocupar longitudinalmente uma dezena de meridianos europeus e asiáticos; tão pouco preocupou o Dr. MS que a Holanda e a França, por ex., possam ter ilhas fora do continente europeu. Não, MS preocupa-se agora que Cabo Verde seja independente, apesar da maioria dos seus habitantes ser mestiça e oriunda do continente africano, mas tal não ser extensível – vá-se lá saber porque bulas – a S. Tomé e Príncipe.
            O pequeno pormenor das ilhas terem sido descobertas desertas e sido colonizadas por portugueses brancos, também lhe escapa. Desconhece-se como reagiria MS se um dia os açorianos, quisessem ser independentes  - apesar de aparentemente não serem africanos, ou se os EUA os quisessem aglutinar como 52º estado da União, inventando para isso os “Ventos da História” convenientes.
            Em resumo, até meados dos anos 60 do século XX, a conhecida “oposição democrática”, de cujas fileiras o D. Mário, diz hoje uma coisa e amanhã outra, Soares, surgiu como figura proeminente, sempre defendeu a integridade do todo nacional; por essa altura mudou de opinião e bandeou-se para o lado de quem queria destruir essa coesão multi centenária, para agora vir dizer que afinal havia excepções (Cabo Verde…).
             Será rebate de consciência? Não cremos.
            Afigura-se-nos consequência de uma outra tirada grandiloquente do proclamado pai da democracia portuguesa e que reza assim: “só os burros é que não mudam”.
            Parece pois que o Dr. MS com receio de ser confundido com tão simpáticos ungulados, anda sempre a mudar.
            Até há pouco o Dr. MS envergonhava uma larga faixa de portugueses. Agora passou a envergonhar-nos a todos.

AS “DOUTAS” OPINIÕES DO DR. JÚDICE SOBRE AS FORÇAS ARMADAS

13/01/09

José Miguel Júdice
“Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?”
                                                                                               Aforismo popular

O conhecido causídico que um dia ao ver-se ao espelho se deve ter achado o mais bonito e inteligente dos seres, assumindo desde então uma importância que só ele julga ter, veio num curto espaço de tempo escrever duas catilinárias sobre as FAs e os militares. Referimo-nos aos artigos “Um golpe de estado dos pequenitos”, de 7/11/08 e “O cilindro de comando”, de 9/1/09, ambos em “O Público”.
Como ainda estamos no reino do disparate e não no das ofensas vamos responder às diatribes com palavras em vez de bengaladas como tão bem sugeriria a ramalhal figura.
Não o faço com a finalidade de lhe iluminar o bestunto, que já vimos ser duro, antes para proveito dos leitores menos esclarecidos, bombardeados que são por papagaios que bolsam sobre o que não sabem sem terem a humildade de antecederem os seus ditos com pelo menos um “parece-me”.
Lá dizia o saudoso Cmd. Virgílio de Carvalho que a ignorância era atrevida...
Lendo com algum cuidado os escritos nota-se uma diferença de estilo, mais cautelosa de um para o outro, que talvez a “moderação na exaltação” explique – devolvo-lhe a acintosa dos bêbados no romance do Lartéguy.
Quanto ao primeiro artigo vou deixar para alguns visados (Gen.Loureiro dos Santos e Cor Vasco Lourenço) a incumbência de se defenderem e quero dizer-lhe claramente que não vou discutir as aleivosias que disse relativamente à extinção do Exército, da F.A. e quejandos. O senhor mostra ser demasiado incompetente e ridículo neste âmbito para que se possa ter consigo uma conversa séria. A sua visão do país deve resumir-se à Quinta das Lágrimas e ao escritório de advogados. Por isso a PSP chega-lhe.
A única coisa acertada que diz nos artigos citados é a afirmação de que “a qualidade da formação dos militares é superior à da média nacional”. De facto assim é, supondo-se por isso que os licenciados em Direito também estejam abrangidos nesta assumpção. Mas o nosso comentarista diletante invoca esta evidência como argumento para tentar reconverter os militares para outras funções públicas e assim diminuir os efectivos que ele está seguro – vá-se lá saber porque bulas – serem excessivos!
É caso para perguntar porque é que S.Exª quando era bastonário da ordem dos advogados não se lembrou de pôr em prática tal medida com os excedentes de licenciados que as 27 – leram bem? – faculdades de direito lançam no mercado todos os anos...
E para o caso de andar distraído sempre lhe lembro que os militares não são própriamente funcionários públicos, embora a maioria dos politicos desejam que passem a ser. Mas isso já é outra história.
       Vamos então tocar nalguns pontos que aborda cujo nexo justifica umas linhas. As suas atoardas – não me atrevo a apelidá-las de críticas, pois estas subentendem alguma substância, objectivo e fio condutor – focam-se muito no alegado excesso de efectivos, nomeadamente generais; na desproporção que diz existir no número de oficiais, sargentos e praças e na reforma que é preciso fazer. E claro queixa-se do custo que tudo isto comporta.
O senhor acha que há efectivos a mais, mas qual é a sua referência? Estão a mais relativamente a quê? E baseados em que estudos? Ou é simplesmente porque o senhor acha e pronto? Depois afirma que há generais a mais, porquê? Já analisou a estrutura das FAs e os compromissos externos - que os governos sempre subescrevem e depois não dão meios para se cumprirem?
Já lhe ocorreu que em vez de haver generais a mais (e há três tipos de generais) pode é haver soldados a menos? E já lhe passou pelas suas moléculas pensantes que as coisas devem também ser vistas em termos relativos? Isto é, considera que ter cerca de duas centenas de oficiais generais é muito, e não é muito existirem vários milhares de directores gerais e equiparados?
E já alguém lhe explicou que há dificuldade em recrutar soldados, sobretudo para o Exército que é onde a sua falta mais se faz sentir, porque se acabou (mal) com o serviço militar obrigatório, que os voluntários são muito mais caros e que não há dinheiro nem vontade política para o arranjar?
Quando afirma que há mais generais agora do que quando o país estava em guerra, porque não compara também o ministério da defesa da altura com o actual? Pensa por acaso que a complexidade das relações internacionais, a gestão de conflitos e a maneira de fazer a guerra, parou no tempo? A matriz da sociedade de uma época para a outra tem alguma comparação?
O senhor tem alguma consciência daquilo que diz?
Quando fala da desproporção que supõe existir entre oficiais, sargentos e praças tem alguma noção de que na Marinha e FA, dado o modo como operam e a tecnologia envolvida a necessidade de praças se faz sentir em termos expressivos, apenas nos fuzileiros e na policia aérea?
E no Exército este tipo de realidade também aumentou muito? E nunca lhe passou pela massa encefálica que os governos não podem andar a mudar de ideias relativamente ao que querem das FAs, como quem muda de camisa e que aos militares tem que se lhes proporcionar uma carreira cujas características não têm paralelo em mais nenhum grupo profissional?
E que as carreiras bem como as missões, o dispositivo e o sistema de forças não são própriamente um bocado de plasticina que os políticos, no mais das vezes ignaros e nem sempre com boas intenções, que estão de passagem, podem moldar a seu belo prazer? - para já não falar em advogados ociosos que se armam em comentaristas...
Será assim tão dificil de entender que decisões tomadas no ambito da gestão de pessoal vão ter consequências nas próximas décadas? Que um exército não se improvisa, que é necessário garantir valências, capacidades e conhecimento?
Ah, e as reformas, ele quer mais uma!
O senhor tem vivido cá? É que só pode! Desafi-o a apontar um único ministério, órgão do estado, empresa pública ou seja o que for que se tenha reformado tanto e reduzido tanto, como as FAs nos últimos 30 anos.
Tendo, ao mesmo tempo, nos pretéritos 15 anos, visto os seus orçamentos diminuírem em termos reais. Não me venha pois, falar em época de contenção, os militares estão fartinhos de dar para esse peditório.
Nada lhes deve pesar na consciência tanto a nível de instituição como a nível individual. Pelo contrário tenho consciência nítida de que se tem apertado o cinto continuamente com espirito de serviço – embora não de cara alegre – enquanto a generalidade do país e sobretudo o Estado e os políticos, que deviam dar o exemplo, têm andado no “forróbodó” da cigarra.
O senhor tem ainda o despautério de afirmar que os militares contribuem muito pouco para a produtividade nacional. Como é que é que entende que a Instituição Militar deve contribuir para a produtividade? Quer que produza automóveis? Cultive batatas? Promova o turismo?
O senhor ignora por acaso que o produto acabado da força militar se chama defesa, segurança, dissuasão, afirmação de soberania, garante da unidade do Estado, ser elemento fundamental da política externa do Estado e seguro de vida da Nação?
Possui indicadores para aferir tudo isto? O senhor tem ideia de que os sucessivos governos têm sistematicamente asfixiado as FAs em termos financeiros, em pessoal, em estruturas, em equipamentos, em autoridade, em termos legislativos, enfim, em tudo, e ao mesmo tempo aumentaram-lhes as missões?
Ao passo que nos ultimos 20 anos já foram empenhados em acções fora do território nacional cerca de 30.000 homens em mais de 30 paises diferentes? E que todas estas missões foram cumpridas e de um modo que não deslustra os nossos maiores? E que a Nação ignora tudo isto e os sacrifícios que tem acarretado?
Se o senhor não sabe nada disto peça contas aos responsáveis politicos, não aos militares, que ainda por cima não podem falar publicamente. Mas se o senhor não sabe e não sabe que não sabe, só tem que se queixar a si mesmo.
Finalmente, acha V.mercê que as FAs são caras. Pois olhe, custam cerca de 1.1% do PIB, talvez a taxa mais baixa de todos os paises da NATO à excepção do Luxemburgo. Mas como já vimos ao menos os militares ainda vão cumprindo razoavelmente as suas missões o que tem justificado o dinheiro.
Mas se tanto o preocupa os gastos do estado, dou-lhe um alvitre para uma acção patriótica: proponha na Ordem de que já foi bastonário que todas as firmas de advogados recusem as encomendas de pareceres jurídicos, resolução de contencioso, consultadorias e afins, que diferentes ministérios continuam a fazer em catadupas e que seria suposto serem tratados pelos respectivos serviços. Aceita o desafio?
Agora sempre lhe quero dizer que caro, caro, e injusto, injusto, é o facto de todos os cidadãos - militares incluidos - verem um ror de dinheiro dos seus impostos ser vertidos no ministério dito da Justiça, que tem certamente mais funcionários do que a Marinha, o Exército e a FA juntos e um número de juizes conselheiros muito superior ao dos generais – e a ganharem o dobro daqueles -  e nada funcionar.
De facto os tribunais só têm duas velocidades, que é devagarinho e parados; ninguém consegue dar conta do número de casos que prescrevem ou são mal instruidos; numerosas leis são desadequadas ao âmbito e pessoas em que se aplicam; as prisões estão a abarrotar e os presos não são postos a trabalhar nem se regeneram; a impunidade campeia (bem como as providências cautelares); a deontologia forense já conheceu melhores dias, etc. Em suma o sistema é caro, burocrático, gerador de injustiças, revolta, sensação de insegurança, desmotivador das forças policiais e de investigação. Quanto à confiança dos portugueses, essa exauriu-se há muito.
Mas o Dr. Júdice está é preocupado com generais a mais sendo duvidoso que conheça sequer os postos! O senhor já é crescidinho, falta agora tornar-se responsável.
Poderá até, como alega no fim do segundo artigo, gostar mais de pirâmides do que de cilindros, mas a mim parece, pelo que escreve, que se aproxima mais da esfera: não tem ponta por onde se lhe pegue.
Espero ficar por aqui, já estou velho para dar recrutas.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

JURAR BANDEIRA!

“Oh gente ousada mais que quantas…”
Lusíadas

            Os cadetes do 1º ano da Academia Militar (AM) juraram bandeira no dia 31 de Maio. O Patrono dos Cursos do Exército e GNR ali representados, é a figura insigne do Marechal de Campo António Teixeira Rebelo.
            A cerimónia decorreu impecável. A casa mãe do Exército está de parabéns.  Também lá suei as estopinhas e queimei as pestanas. Não estou arrependido.
            E se, sobre a organização e desenrolar da cerimónia, pelo que fica dito, nada mais é necessário acrescentar, já quanto ao significado do acto que a justifica, é mister tecer umas quantas considerações.
            O Juramento de Bandeira (JB) tem as suas origens, no que nos diz respeito, na Idade Média, no espírito da cavalaria e no juramento de fidelidade ao Rei. Curiosamente não se sabe ao certo, quando e como, se deu início à “liturgia” actual. Mas é hábito enraizado e antigo.
            O ritual é simples mas transcendente:  o cidadão agora transformado em militar assume um compromisso de honra e de sangue – a sua honra e o seu sangue -, para com a defesa do seu torrão natal e que, com o conjunto das famílias que nele nasceram, constitui a Nação dos portugueses. Esta Nação mercê de uma vivência de séculos gerou uma comunidade de afectos e de interesses que se individualizaram e assumiram numa identidade própria e se sublimaram numa alma colectiva: a Pátria. E juraram também, num patamar que se não pode ter como idêntico, defender a Constituição da República (CR) que transitoriamente rege o Estado, ou seja, a Nação politicamente organizada.
            E não deixa de ser curioso notar que a única vez que a actual CR fala na palavra “Pátria” é justamente no seu artº 276 “Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico”. [1]
            O juramento tem, porém, uma particularidade que não tem paralelo em mais nenhum grupo profissional, nem em qualquer código ético-deontológico: é que a defesa daquilo que se jura pode implicar a doação da própria vida. Daí também a transcendência do acto. Nem os preceitos religiosos são de uma tal exigência …
            Este acto assume na Instituição Militar tal importância que os incorporados nas fileiras, juram bandeira logo no fim da recruta, isto é, logo que é dado como finda a sua mutação do “ser civil” em “ser militar”.
            Aos futuros oficiais do Quadro Permanente (QP) é dado, contudo, um ano lectivo para melhor preparação e reflexão. Parece importante frisar isto: num sistema de serviço militar de conscrição, todos são obrigados a jurar bandeira, pois a defesa colectiva a todos obriga e não deve abrir excepções a ninguém. Num sistema de voluntariado, só lá está quem quer. E por maioria de razão para o pessoal dos QP, que vão fazer do ofício das armas, profissão para a vida.
            É pois uma opção consciente de um homem livre e que o acompanha até à tumba. Morrer faz, pois, parte do ofício e ninguém sabe como irá reagir quando, e se, chegar a sua vez. Espera-se que cada um saiba cumprir o seu Dever. Por isso é que o compromisso é público e ritualizado. O treino e o conhecimento vêm depois e tal é fundamental para que o eventual inimigo morra primeiro pela Pátria dele, do que nós pela nossa. Façam o favor de ter isto em devida conta.
            Desde o campo de S. Mamede, em 1128, muitos foram os que baquearam, até hoje, na defesa desta Ideia chamada Portugal. Por isso os evocamos em todas as cerimónias militares. Assim deve continuar a ser.
            Convém, acentuar que o juramento feito é a Portugal e à Bandeira Nacional e tal não pode ser esquecido, nem obliterado, ao longo dos tempos, independentemente das organizações políticas, económicas, de segurança, defensivas, etc., de que o país faça parte ou venha a fazer parte; e o mesmo se deve dizer relativamente a lealdades ou obediências várias, de carácter político, religioso, financeiro ou de negócio, visíveis ou mais discretamente assumidas, que se possam vir a cruzar na vida de cada um.
            Umas sugestões para finalizar.
            Este ano, a AM teve a feliz ideia de trazer a cerimónia do JB para o palco magnífico frente à Torre de Belém – onde os nautas de antanho zarparam até aos confins do mundo e daí regressámos.
            Mas penso que o lugar apropriado para os futuros oficiais do QP das FAs, jurarem bandeira deve ser junto ao Castelo de Guimarães.
            Foi lá que tudo começou e de lá houve nome “Portugal”. Aquelas muralhas representam o último reduto da protecção da Nação e são eles, cadetes, que no futuro irão constituir o esteio da sua defesa.
            A cerimónia seria comum aos cadetes dos três ramos – eles devem entender que estão nisto juntos -,  e ser sempre presidida pelo mais alto magistrado da Nação, não só pelas razões apontadas do anterior mas, também, por ele ser por inerência o Comandante Supremo das FAs, símbolo da independência nacional e ser ele outrosim, que assina as cartas patentes dos oficiais, quando são promovidos a alferes/guarda marinha do QP.
            Tal não acontece com mais nenhuma profissão. Arrisco ainda a sugerir que a cerimónia devia ser antecedida de uma outra do tipo “velada de armas”.
            Não arrisco, porém, nada em dizer que passariamos a ser um país mais decente, se a cerimónia do JB fosse transmitida em directo e na abertura dos telejornais. Mas isso já é outra história...
            Parabéns aos 99 cadetes que tiveram a coragem de estender o braço direito em direcção ao Estandarte Nacional à guarda do Corpo de Alunos. Bem vindos e boa sorte no seio da família militar. Acabaram de ganhar jus a serem um dos nossos.


[1] Lamentavelmente não fala uma única vez em “Nação” …