domingo, 19 de setembro de 2010

ALGUMA COMPREENSÃO PELAS CHEFIAS MILITARES

20/11/08

“Quando aqueles que comandam perderem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”,
De Retz, e,
“As virtudes perdem-se nos interesses, como os rios se perdem no mar”
La Rochefoucould

            Agora que todo o mundo bate nas chefias militares, venho eu – que tenho o futuro caixão cravejado de pregos – dar-lhes uma mãozinha. Como não ma pediram  também não têm que agradecer.
            Desde que as relações civil-militares a nível estadual entraram em normalidade política, desde a publicação da Lei 29/82 (Lei da Defesa Nacional e das FAs) que a actuação das sucessivas gerações de chefes militares (englobando nestas o Chefe de Estado-Maior-General e os chefes dos três Ramos), se têm pautado por uma similitude muito acentuada. Ora o tempo decorrido já permite concluir, quase como uma certeza científica, que tal se pode considerar “cromossomático” e tem a ver sobretudo, com a natureza humana! E permite ainda deduzir que as próximas gerações de chefes militares se portarão, naturalmente, da mesma forma. Isto, claro, se entretanto não ocorrer nenhum cataclismo político - social.
            Por isso, convém à multitude dos oficiais e sargentos (vamos deixar os civis fora desta questão …), fazerem uma introspeção no sentido de ajuizarem se seriam capazes de fazer as coisas diferentemente ou tomar outro tipo de atitudes, caso ocupassem aquelas funções, antes de enveredarem por determinado tipo de críticas ou conduta.
            Partindo do princípio que os golpes de estado e quarteladas avulsas, estão postas de lado – e era bom que estivessem pois tal revelaria uma maturidade social e política mais elevada do que aquela que temos evidenciado desde 1817 - que alternativas de actuação é que restam às chefias militares que, no mais, se têm que confrontar com uma classe política pessimamente preparada para exercer o governo da cidade – quando não, coisa pior. Lembra-se, por exemplo que, hoje em dia, se pode chegar a Presidente da República sem sequer ter que se exibir um registo criminal...
            Ora achando-se a maioria da classe política nacional (e também europeia ocidental), na confortável posição, porém ilusória, de que é uma maçada e uma despesa, ter forças militares pois as ameaças não as justificam e cuja postura institucional consideram anacrónica, o que resta aos chefes militares fazer senão levar pancada e ter uma paciência beneditina?
            Acresce a tudo isto que o Parlamento  - o tal que dizem representar o povo – aprova leis que tornam a nomeação das chefias militares em absoluto dependentes dos órgãos do Estado, dominados pelos Partidos Políticos, o que retira grande parte da margem de manobra (sempre ultrapassou a minha capacidade de compreensão como é que uns senhores que se passeiam pela politica podem conhecer os generais para escolherem um para chefe dos outros...) . Esta margem de manobra pode ser facilitada ou complicada pelas várias “lealdades” a que os generais de quatro estrelas têm que “gerir”: a lealdade ao Governo que os escolhe; ao PR que os nomeia, é por inerência o Comandante Supremo da FAs e preside ao Conselho Superior de Defesa Nacional; aos seus pares; aos homens que comandam; à instituição que servem e à Nação por quem juram morrer. Equilibrar-se neste âmbito é mais do domínio da arte do que da ciência…
            Por outro lado, vêm-se confrontados, sistematicamente, com missões para as quais não lhes são atribuídos os recursos mínimos indispensáveis; estão enrredados na gestão das carreiras profissionais do seu pessoal, muito mais limitadas do que qualquer outra profissão de âmbito civil (um militar não pode mudar de “empresa”, não pode emigrar, e só pode progredir no seio de regras restritas e exigentes, por ex.), e são vítimas da própria condição militar que em vez de ser tida em conta na sua sublime essência, é antes usada para aperrear e constranger a IM e os militares.
Como se isto não bastasse, não é feita qualquer defesa política e institucional das FAs que tenha qualquer real expressão, ao passo que correm infrenes as mais variadas diatribes mediáticas relativamente às FAs. E o divórcio entre a sociedade e a IM agravou-se exponencialmente desde que se acabou com o Serviço Militar Obrigatório (um erro trágico) e se tem impregnado a vida social de referências e estímulos em tudo antagónicas e nalguns casos, inimigas, dos valores pelos quais se têm norteado os Exércitos e sem os quais estes deixarão de ter qualquer valor. E o curioso é que é quase universal a deserção em se discutir e reflectir sobre estes tópicos…
            O cúmulo de toda esta tragédia shakesperiana vem a ser a constante mudança de orientação política, a sempre presente “necessidade“ de “reestruturar” e “racionalizar” que as sucessivas gerações de políticos (com “p” minúsculo) têm alimentado como se a IM fosse um pedaço de plasticina que cada um moldasse a seu gosto.
            Ora perante este quadro que podem os chefes militares fazer?
            Demitirem-se? Já dois o fizeram e o resultado foi desastroso no primeiro caso e inócuo no segundo. Demitirem-se em bloco? Mas para isso era necessário garantir-se entendimento entre eles – o que já se provou também ser cromossomaticamente quase impossivel - e que os designados a seguir não aceitem, e nada garante que tal aconteça. Além disso é preciso ter em conta que há atitudes que têm peso em determinadas alturas/situações e nenhum peso noutras. De alguns anos a esta parte quantos mais generais se forem embora melhor para o poder político …
            E para que um gesto destes pudesse ter êxito seria necessário “explorar o sucesso”, mas para isso era necessário haver coesão nas fileiras e opções estratégicas credíveis. E aqui é que é necessário muito trabalho.
            Finalmente existem condicionalismos éticos que as chefias militares têm naturais pruridos em pôr de lado e que são habilmente explorados por gente menos escrupulosa; existe uma sempre presente e legítima ambição (que, atenção, não pode tudo justificar) de progressão na carreira, e um receito também humano – que, outrossim, não pode tudo justificar - de ir para casa sem nada para fazer. É ainda necessário elaborar um pouco sobre este último ponto.
            Se um chefe militar disser ou fizer algo que desagrade ao Poder político, arrisca-se a ser demitido na hora e regressar a penates com uma mão à frente e outra atrás. Isto não se passa com os cargos políticos e administrações de empresas públicas ou camarárias, etc., cujos serventuários, com mais ou menos dificuldade, têm os seus lugares anteriores respaldados, mudam simplesmente de função, quando não são mimoseados com pingues indemnizações.
            Lugares públicos fora das FAs que possam ser ocupados por militares no activo, na reserva ou na reforma, deixaram praticamente de haver.
            Oficiais generais que tenham reagido publicamente depois de serem maltratados ou outros que se empenhem em ir à luta na defesa da IM ou denúncia das barbaridades que se têm cometido, lembramo-nos de muito poucos. É possível que três razões expliquem o fenómeno: a ponderação de previsíveis aborrecimentos e despesas; a esperança de ocupar um cargo qualquer no futuro e a facilidade com que o seu carácter pode ser “assassinado” na comunicação social (com reflexos familiares).
            É por tudo isto que a cadeia hierárquica começou a gripar e tal favoreceu e explica, o aparecimento das associações de militares e nas forças de segurança – existe outra razão, mas não a vamos expôr aqui.
Ora o enfraquecimento da cadeia hierárquica e o aparecimento de associações agradou genericamente a todas as forças políticas, desde que, obviamente não se descesse ou ultrapassasse certos limites. Mas também neste âmbito as coisas estão a degradar-se e a sair fora de controle …
            O enquadramento atrás feito não desculpa ou isenta, porém, os oficiais que ocupam os lugares cimeiros das FAs (e também os dos restantes escalões de comando, ao seu nível!) de, dentro das suas responsabilidades, actuarem no sentido de resolverem os problemas existentes, assumirem posições firmes na defesa da IM e ensaiarem estratégias de actuação passíveis de obter sucesso.
            O modo de actuar cabe a cada um pois cada pessoa é um ser singular. E se se pode (ou deve) colher ideias e ensinamentos em diversas fontes, não se deve copiar modos de actuar pois tal pode não resultar numa personalidade diferente.
            De qualquer modo urgem as atitudes.
            A situação deteriora-se todos os dias.

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