segunda-feira, 20 de setembro de 2010

COMO UMA CERIMÓNIA MILITAR PODE SER MAIS DO QUE ISSO

“Como querem que eu amanhã na guerra, faça o que devo fazer, se a minha coragem não me chegar para, em tempo de paz, dizer o que penso? É por isso que eu digo o que digo”.
Cor cavª Serpa Soares

            Caucionado por agradável convite, para assistir a mais um aniversário da Brigada Mecanizada, lá me pus a caminho de S. Margarida, a “Santa”, como o pessoal que uniformiza de verde, gosta de dizer.
            Pelo caminho fui pensando se o que resta do “velhinho” Exército Português ainda sabia fazer ordem unida. Fica desde já atestado, que ainda sabe.
            E lá estavam cerca de dois mil militares e mais de cem viaturas, em parada, o que para os dias que correm, é um espectáculo raro…
            Alguns “pormenores” merecem ser referidos:
            Primeiro que tudo, entre 30 a 40% dos efectivos são militares do sexo feminino. Na nossa perspectiva não devia haver lá nenhum mas, a haver, jamais deveria passar dos 10%. E nunca deviam estar nas especialidades directamente ligadas ao combate. Quando se quiser emendar a mão, vai ser tarde …
            Surpreendentemente não vimos ninguém desfalecer na formatura (e estava algum calor), isto é um bom sinal e quer dizer três coisas: que o pessoal tomou o pequeno almoço; que está com uma preparação física razoável e que na noite anterior não andou nos “copos e na passa”.
            Parte do pessoal e das viaturas estão atribuídas a uma nova unidade, o Agrupamento Mecanizado NRF12, em fase de aprontamento para ser atribuída à NATO. Nas viaturas passou a figurar uma pequena Cruz de Cristo, aquela que nos acompanha desde Ourique, que foi nas Caravelas a toda a parte do mundo e que, a Aviação Militar passou também a transportar nas suas asas, logo após a sua criação. Foi uma excelente medida, mas é preciso explicar aos soldados o que significa.
            Finalmente, quando o Estandarte Nacional foi integrado na formatura, ouviu-se no micro a seguinte frase: “… à sua passagem os militares fazem continência e os civis devem assumir uma posição respeitosa, descobrindo-se”.
Houve, uma evolução positiva. Até agora costumava ouvir-se (incluindo no render da guarda ao Palácio de Belém): “…convidam-se os civis…”, convidam-se?! Sejamos claros: quem não se porta bem deve ser de imediato admoestado; e enquanto se tiver que ouvir esta frase, que os militares (e só eles) pacientemente insistem em transmitir nas suas cerimónias, isso quer dizer que a educação cívica no País é medíocre.
            Apenas uma coisa deixo como alvitre; as cerimónias militares no nosso país teriam outro lustre se se melhorasse um ponto e que é este: existe um deficit – que percorre todos os postos, dentro e fora das formaturas -, e que tem a ver com o andar/marchar naturalmente com o queixo levantado e as costas direitas. E sem olhar para o chão… Isto é quase cromossomático e só não se vê na rapaziada dos Pupilos e Colégio Militar (não é por acaso que de pequenino é que se torce o pepino…) e nas tropas Comando. Convinha pensar nisto. De resto esteve tudo bem, almoço, convívio, organização, vontade de fazer bem as coisas, desembaraço, etc.
            Isto chega? Não chega!
            Nós vamos assistir às cerimónias militares em primeiro lugar porque gostamos, depois, para relembrar velhos tempos e rever camaradagens e amizades e também para retemperar o Espírito e compor a Alma. Pelo meio dá para reflectir.
            As paradas, cerimónias e exercícios militares sem dúvida que permitem aferir um conjunto importante de “items” que leva a que se possa ter uma ideia mais ou menos correcta sobre a Instituição Militar. Mas não permite penetrar completamente no seu estado de alma, no seu Moral.
             Dou três exemplos:
            Em 25 de Setembro de 1910, o Exército fez uma luzidia parada no Buçaco, para comemorar o centenário da batalha que ali se dera contra os franceses de Massena, onde se aclamou o Rei D. Manuel II, quando este passou revista. Uma semana depois ocorreu o golpe revolucionário que implantou a República e verdadeiramente apenas houve um oficial do Exército que defendeu a Monarquia: Paiva Couceiro;
            Em 1926, chegou-se nas Forças Armadas à incrível situação do “zero naval”, do “zero aéreo” e do “zero terrestre”. Deixou-se subverter tudo até ao tutano. Mesmo assim conseguiu-se montar a cavalo em Braga, vir por aí abaixo sem disparar um tiro e salvar – a custo – o país de si mesmo;
            Em 1974 após 13 anos de uma campanha militar vitoriosa, como já não se via desde os tempos do “tirribil” Afonso de Albuquerque, uma pequena parte da oficialidade resolveu mudar o regime sem calcular devidamente os efeitos e mostrando-se incompetente na condução dos eventos (que de facto, nunca conduziu…), desfez a Nação e comprometeu o futuro de todos. Mais uma vez, verdadeiramente, só um oficial se lhe tentou opor: o brigadeiro Junqueira dos Reis.
            Serve isto para dizer, que é preciso ver (e saber ver) para além das paradas. Aferir o Moral das tropas é uma coisa de sempre e tem que ser uma constante. Não se pode dormir sobre o assunto. E é preciso tentar saber responder às seguintes questões: o sistema de lealdades está consolidado? Se eu der uma ordem, tenho a certeza de que ela é cumprida? Quando chegar à altura de se bater, o Exército bate-se? E está disposto a morrer por que causas?
            Eis um conjunto de questões que me parecem apropriadas agora que se aproxima mais um aniversário da data florida de Abril.

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