01/01/2010
Fernando Pessoa, in, Textos Filosóficos e Esotéricos, 1915
Primeiro de Janeiro, começamos bem o ano, na luta de sempre...
Num País (o nosso), em que a asneira virou livre, na justa medida em que não acarreta consequências para os seus autores, assistimos agora à proposta da Associação Empresarial de Portugal (AEP), pela boca do seu vice presidente, Paulo Nunes de Almeida (PNA), defendendo que existem feriados a mais, em Portugal, e que aquele que devia ser sacrificado à cabeça seria o 1º de Dezembro.
Lembra-se que, nesta data, se comemora a libertação do jugo Filipino que representava a coroa dual ibérica, em 1640, vulgo “Restauração” de Portugal. Adjectiva até, a comemoração de “situação caricata” e “contra naturam”.
A gente ouve isto e já não se espanta dadas as barbaridades que, por graça de Deus – e estupidez dos homens – temos sido servidos de assistir neste antigo jardim (pouco) florido.
Comemorações do 1.º de Dezembro nos Restauradores em Lisboa. Foto de Manuel Pinto, cedida pelo Jornal de Coruche |
Já em tempos,que foram os da mudança da decisão da construção do futuro aeroporto de Lisboa (que se espera seja mesmo muito futuro...), da Ota para Alcochete, o Presidente da AEP, sr. Van Zeller, do alto da sua pesporrência, relativamente aos problemas que se levantariam com a perda do Campo de Tiro, sito naquela última localidade, desde 1904, disse com ar desdenhoso: “os militares que vão dar tiros para Marrocos ou para a Andaluzia”!
Ignoramos, até hoje, se o sr. Van Zeller já estabeleceu contactos com os governos espanhol e marroquino para obter a autorização para que tal possa acontecer e se conseguiu que algum eventual amigo seu da banca, se dispusesse a financiar tal empreendimento, em vez de pôr os seus réditos a recato nas ilhas Caimão ou ir especular, com o dinheiro dos outros, nalguma praça financeira de reputação menos duvidosa.
Estes cidadãos que representam milhares de empresários, e que não são propriamente equiparáveis ao “Zé da Esquina”, deviam ter cuidado com o que dizem. Na dúvida, calem-se. Não mostrem a vossa ignorância histórica e geopolitica, públicamente. Eu sei que quem não sabe, raramente dá conta disso. Mas façam um esforço.
Já lhes ocorreu, por ex, que a Economia não é um fim em si mesma: deve derivar de uma política e ser instrumento de uma estratégia; que a economia (e as finanças), devem ter preocupações sociais e de segurança; que devem visar a sustentabilidade e as mais valias futuras e não a resolução de problemas de tesouraria ou o enriquecimento rápido; aprender a serem empresários com “E” e não apenas a comportarem-se como “donos” das empresas; não confundir a “gestão” de pessoas com a “liderança” do tijolo, é ao contrário....
Finalmente um bem para todos não reduzir o mundo ao vosso umbigo tecnocrático, muito menos à vossa recheada carteira (apenas de dinheiro).
Por fim, senhor PNA, se o senhor entendesse alguma coisa da História de Portugal jamais defenderia que fosse o feriado dessa magnifica alvorada do 1º de Dezembro a ser irradiado.
Deixando os feriados religiosos, que têm a ver com o povo católico, mas também com as tradições históricas e culturais de toda a nação portuguesa – entende-se que a AEP não se queira meter com a Igreja – os últimos feriados de cariz nacional a desaparecer só podem ser o 10/06 e o 1/12, justamente porque comemoram e exaltam a nacionalidade portuguesa, o que parece não ter qualquer significado para a AEP.
Porque não foram inteligentes e propuseram o fim do 5/10 ou o 25/04, que são datas de cariz político/revolucionário, não consensuais e que dividem a sociedade portuguesa? Agora o 1º de Dez.?, seus Migueis de Vasconcelos!
Por outro lado existe, no país, um conjunto alargado de associações e instituições, cujos estatutos referem serem patrióticas ou terem fins patróticos. Pois senhores, até hoje nenhuma delas tugiu nem mugiu perante o desaforo da AEP. Devem lá ter o “patriótico”apenas como ornamento.
É este o estado a que estamos reduzidos. São, aliás, os órgãos do Estado os principais responsáveis por todo este descalabro, pois o exemplo vem sempre de cima.
O Estado deixou de comemorar o 1.º de Dezembro sem nunca ter explicado à Nação, tal mudança. Mas vai agora comemorar os 100 anos do 5 de Outubro gastando cerca de 10 milhões de euros e uns trocos, efeméride esta, provocada por um grupo de políticos fanáticos, que utilizavam a bomba como argumento; fundada num crime de regicídio, que instalou um regime nunca referendado pelo povo e cujos actuais próceres pretendem perpetuar através de uma ditadura legislativa.
Mas tal não parece preocupar a AEP. Ela não gosta é do 1.º de Dezembro, se calhar porque desse modo pensa piscar melhor o olho a negócios transfronteiriços...
Ora foram os infelizes – que havemos de lhes chamar? – que representam o Estado Português, mas há muito deixaram de representar a Nação (que vai votando neles, mas não se revê neles), que decidiram ir assinar o malfadado Tratado de Lisboa – que nos vai suprimir o futuro – no pretérito 1.º de Dezembro, junto à Torre de Belém!
Isto não representa uma lamentável coincidência, mas sim uma provocação a toda a História de Portugal e ao que resta dos bons portugueses.
É à luz desta indignidade que a posição da AEP se percebe e faz sentido.
O maior equivoco, porém, é julgar-se que o significado do 1.º de Dezembro está ultrapassado ou pertence a outra História.
Disse Cristo: “Pai, perdoa-lhes que eles não sabem o que fazem”. Estes sabem.
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