segunda-feira, 20 de setembro de 2010

JURAR BANDEIRA!

“Oh gente ousada mais que quantas…”
Lusíadas

            Os cadetes do 1º ano da Academia Militar (AM) juraram bandeira no dia 31 de Maio. O Patrono dos Cursos do Exército e GNR ali representados, é a figura insigne do Marechal de Campo António Teixeira Rebelo.
            A cerimónia decorreu impecável. A casa mãe do Exército está de parabéns.  Também lá suei as estopinhas e queimei as pestanas. Não estou arrependido.
            E se, sobre a organização e desenrolar da cerimónia, pelo que fica dito, nada mais é necessário acrescentar, já quanto ao significado do acto que a justifica, é mister tecer umas quantas considerações.
            O Juramento de Bandeira (JB) tem as suas origens, no que nos diz respeito, na Idade Média, no espírito da cavalaria e no juramento de fidelidade ao Rei. Curiosamente não se sabe ao certo, quando e como, se deu início à “liturgia” actual. Mas é hábito enraizado e antigo.
            O ritual é simples mas transcendente:  o cidadão agora transformado em militar assume um compromisso de honra e de sangue – a sua honra e o seu sangue -, para com a defesa do seu torrão natal e que, com o conjunto das famílias que nele nasceram, constitui a Nação dos portugueses. Esta Nação mercê de uma vivência de séculos gerou uma comunidade de afectos e de interesses que se individualizaram e assumiram numa identidade própria e se sublimaram numa alma colectiva: a Pátria. E juraram também, num patamar que se não pode ter como idêntico, defender a Constituição da República (CR) que transitoriamente rege o Estado, ou seja, a Nação politicamente organizada.
            E não deixa de ser curioso notar que a única vez que a actual CR fala na palavra “Pátria” é justamente no seu artº 276 “Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico”. [1]
            O juramento tem, porém, uma particularidade que não tem paralelo em mais nenhum grupo profissional, nem em qualquer código ético-deontológico: é que a defesa daquilo que se jura pode implicar a doação da própria vida. Daí também a transcendência do acto. Nem os preceitos religiosos são de uma tal exigência …
            Este acto assume na Instituição Militar tal importância que os incorporados nas fileiras, juram bandeira logo no fim da recruta, isto é, logo que é dado como finda a sua mutação do “ser civil” em “ser militar”.
            Aos futuros oficiais do Quadro Permanente (QP) é dado, contudo, um ano lectivo para melhor preparação e reflexão. Parece importante frisar isto: num sistema de serviço militar de conscrição, todos são obrigados a jurar bandeira, pois a defesa colectiva a todos obriga e não deve abrir excepções a ninguém. Num sistema de voluntariado, só lá está quem quer. E por maioria de razão para o pessoal dos QP, que vão fazer do ofício das armas, profissão para a vida.
            É pois uma opção consciente de um homem livre e que o acompanha até à tumba. Morrer faz, pois, parte do ofício e ninguém sabe como irá reagir quando, e se, chegar a sua vez. Espera-se que cada um saiba cumprir o seu Dever. Por isso é que o compromisso é público e ritualizado. O treino e o conhecimento vêm depois e tal é fundamental para que o eventual inimigo morra primeiro pela Pátria dele, do que nós pela nossa. Façam o favor de ter isto em devida conta.
            Desde o campo de S. Mamede, em 1128, muitos foram os que baquearam, até hoje, na defesa desta Ideia chamada Portugal. Por isso os evocamos em todas as cerimónias militares. Assim deve continuar a ser.
            Convém, acentuar que o juramento feito é a Portugal e à Bandeira Nacional e tal não pode ser esquecido, nem obliterado, ao longo dos tempos, independentemente das organizações políticas, económicas, de segurança, defensivas, etc., de que o país faça parte ou venha a fazer parte; e o mesmo se deve dizer relativamente a lealdades ou obediências várias, de carácter político, religioso, financeiro ou de negócio, visíveis ou mais discretamente assumidas, que se possam vir a cruzar na vida de cada um.
            Umas sugestões para finalizar.
            Este ano, a AM teve a feliz ideia de trazer a cerimónia do JB para o palco magnífico frente à Torre de Belém – onde os nautas de antanho zarparam até aos confins do mundo e daí regressámos.
            Mas penso que o lugar apropriado para os futuros oficiais do QP das FAs, jurarem bandeira deve ser junto ao Castelo de Guimarães.
            Foi lá que tudo começou e de lá houve nome “Portugal”. Aquelas muralhas representam o último reduto da protecção da Nação e são eles, cadetes, que no futuro irão constituir o esteio da sua defesa.
            A cerimónia seria comum aos cadetes dos três ramos – eles devem entender que estão nisto juntos -,  e ser sempre presidida pelo mais alto magistrado da Nação, não só pelas razões apontadas do anterior mas, também, por ele ser por inerência o Comandante Supremo das FAs, símbolo da independência nacional e ser ele outrosim, que assina as cartas patentes dos oficiais, quando são promovidos a alferes/guarda marinha do QP.
            Tal não acontece com mais nenhuma profissão. Arrisco ainda a sugerir que a cerimónia devia ser antecedida de uma outra do tipo “velada de armas”.
            Não arrisco, porém, nada em dizer que passariamos a ser um país mais decente, se a cerimónia do JB fosse transmitida em directo e na abertura dos telejornais. Mas isso já é outra história...
            Parabéns aos 99 cadetes que tiveram a coragem de estender o braço direito em direcção ao Estandarte Nacional à guarda do Corpo de Alunos. Bem vindos e boa sorte no seio da família militar. Acabaram de ganhar jus a serem um dos nossos.


[1] Lamentavelmente não fala uma única vez em “Nação” …

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