domingo, 26 de setembro de 2010

A “CRISE” DA INSTITUIÇÃO MILITAR

Como se sabe o derradeiro artigo do General Loureiro dos Santos no jornal “O Público” sobre os motivos (mais do que justos) da indignação militar que tem afectado as Forças Armadas (FAs), gerou uma pequena tempestade mediática.
            Pelo meio ocorreu um jantar na antiga FIL, promovido pela Associação de Oficiais das FAs – aliás já programado – para debate dos problemas existentes e procura de pistas para o futuro e que ganhou notoriedade pela polémica então gerada. Como o meu nome apareceu referido publicamente como tendo participado e falado, no referido jantar, venho transcrever o que então disse para que não haja dúvidas ou interpretações incorrectas sobre o que entendi dizer.
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            “Estamos todos aqui a fim de procurar soluções para o descaminho porque vai a Instituição Militar e as desconsiderações que têm sofrido a condição militar e os militares.
            Porque entendo que não se pode andar para a frente sobre bases falsas vou tentar recuar um pouco no tempo e fazer um breve sumário de como chegámos à situação actual. Sem isso só por bambúrrio faremos as opções correctas.
            Tentarei cingir-me a factos sem os adjectivar, tecer considerações ou juízos de intenções. Isso só serviria para aumentar as clivagens entre nós.

O público como todos os soberanos, como os reis, os povos e as mulheres, não gosta que se lhes diga a verdade”
Alexandre Dumas

            A questão fundamental que temos pela frente – que a IM tem pela frente – é uma questão de respeito. Isto é, de nos darmos ao respeito. Só assim poderemos ser respeitados. Ora o problema é que nós não nos temos dado ao respeito. Por uma simples razão: não estarmos em condições de o fazer.
            Quando era cadete e dei História Militar, passava-se pela I Grande Guerra, como cão por vinha vindimada.
            Sabem porquê? Porque a nossa participação, de um modo geral, correu mal. Do mesmo modo, na História que aprendi no liceu, quase não se falava no século XIX português. Sabem porquê? Exactamente, porque correu muito mal. Ora nós perante o que corre mal o que fazemos? Fazemos o que a mulher a dias coira faz: pomos o lixo debaixo do tapete. A sala fica aparentemente limpa, mas só aparentemente, pois o lixo está lá.
            Para se decidir correctamente o que fazer hoje temos ainda que recuar ao pós 25 de Abril. Ora as consequências para a IM decorrentes do 25/4, foram péssimas. Por mais que muitos de nós julguem que foram boas. Vou tentar explicar porquê.
            As FAs sairam de mal do 25/4, com a Extrema Direita – que aliás praticamente não existia desde que o Prof. Salazar tinha acabado com o Nacional Sindicalismo de Rolão Preto – ficaram de mal com a chamada “Direita”, por causa do 11 de Março de 75,e das nacionalizações; com o PCP e a Extrema Esquerda,por causa do 25 de Novembro de 75 ; com os “retornados” do Ultramar (que representavam cerca de 9% da população) por causa da Descolonização, adjectivada inicialmente de “exemplar”; com a população rural, por causa da “dinamização cultural”, da reforma agrária e das ocupações selvagens; com as forças ditas do Centro (onde se engloba o CDS, o PSD e o PS), por preconceitos culturais e políticos e sobretudo por causa do Conselho da Revolução e do Pacto MFA/Partidos, que estes assinaram mas nunca aceitaram.
            A Lei 29/82 (da Defesa e FAs) parece até um ajuste de contas com tudo isto.
            Resumindo as FAs, por uma razão ou por outra, acabaram de ficar de mal com todos. Creio que será difícil conseguir pior em qualquer parte do mundo.

            Agora vejamos o que aconteceu aos quadros da altura. Numa só geração os oficiais e sargentos do quadro permanente, formados num quadro de referências totalmente diferente daquele que se veio a institucionalizar após a revolução, e tendo já aguentado com uma ou mais comissões no Ultramar, tiveram que passar pela “experiência” do PREC – que deixou a tropa praticamente destruída – a recuperação do mesmo PREC – que, deve dizer-se, foi notável mas se cingiu maioritariamente ao âmbito “material” da Instituição – para apanharem depois com doses maciças de propaganda anti militar (não é a mesma coisa que anti-militarista …), que se prolonga até aos dias de hoje.
            O que quero dizer com isto tudo é que a cadeia hierárquica que fez a guerra ou ainda foi formada no regime anterior esgotou-se e não está psicologicamente capacitada para fazer frente ao plano inclinado em que colocaram as FAs e os militares.
            Chamo ainda a atenção para mais alguns pontos: a recuperação “material” da IM (os edifícios, os equipamentos, a disciplina, a hierarquia, o treino, a doutrina, etc) não foi acompanhada devidamente pela recuperação espiritual (a deontologia, as virtudes militares, a camaradagem, o espírito de corpo, a confiança nos chefes, etc); depois da revolução – que era para ser apenas um golpe de estado -  e quando os ânimos serenaram, não se separou o trigo do joio, isto é, não se apartou os militares que não se portaram segundos os ditames da “virtude e da honra”, daqueles que se  mantiveram dentro das baias que os deveres militares obrigam. Antes pelo contrário, tentou-se e permitiu-se, tentar ultrapassar todas as barbaridades cometidas, distribuindo subsídios e promovendo todo o bicho careta a coronel.
            Depois nunca se assumiu que a generalidade da classe política que nos passou a governar, além de ignorante sobre a “coisa militar” não tem boas intenções relativamente à IM e aos militares. Ora se basearmos a nossa “ordem de batalha” em informações ou crenças erradas, o resultado será o desastre.
            Com isto dito, nunca se conseguiu até hoje, delinear nenhuma estratégia, a não ser a de encaixar danos e ir, nem sempre da melhor maneira, contornando intenções e até decisões. Passámos a viver num teatro de sombras.
            Como corolário nunca se promoveu o estudo e reflexão do que se passou contemporaneamente, utilizando-se constantemente a técnica da mulher a dias, coira.
            A cereja em cima do bolo passou a ser a falta de entendimento crónico que as levas sucessivas de camaradas nossos que ostentaram estrelas em número de quatro, passaram a ostentar sobre o que fazer e actuar concertadamente (com honrosas excepções). E quando eu digo que não se entenderam nem entendem cobre quase tudo e  vai da cor dos atacadores das botas à compra de submarinos.
            Este diagnóstico é factual e explica porque temos vindo a coleccionar derrotas e explica também, que a IM esteja quase em extertor e parte da opinião pública pense que ainda temos a gasolina mais barata …
            Chamo apenas a atenção que sem IM Portugal desaparecerá. Convém ter isto presente.
            Por último, quero dizer que nós tendemos a indignar-nos não por princípios, mas por conveniências.
            Muitos de nós, aliás, só começaram a ficar incomodados, quando não foram colocados num lugar que ambicionavam ou, sobretudo, quando não eram nomeados para o curso de promoção a oficial general.
            Por isso é que quando a nível político se cometeram crimes de lesa Pátria (e a nós pagam-nos para defender a Pátria) poucos se indignaram; mesmo a nível militar, quando nos dão machadadas institucionais, por exemplo, quando acabaram como os tribunais militares; extinguiram o serviço militar obrigatório; quando oficiais generais são achincalhados na praça pública; quando se vende património ao desbarato; quando se mente descaradamente; quando há intromissões abusivas na cadeia hierárquica; quando se quer reduzir a profissão militar a um emprego como outro qualquer, etc., um etc longo e doloroso, pouca gente se indigna.
            Quando, porém, nos começam a ir ao bolso ou nos mexem nas carreiras, aqui d’el rei.
            Ou seja nós acordamos para a luta, tarde e nem sempre pelas melhores causas. E, podendo não ser evidente, estou em crer, que se defendêssemos os Princípios, logo que são postos em causa, ninguém mais teria a ousadia de nos querer confiscar os (parcos) direitos.”

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