quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM* E A DEFESA NACIONAL

Publicado no jornal “O Dia” de 10/3/93 com o pseudónimo Adamastor

“A principal indústria de um país é a agricultura”
António Augusto Ferreira 1

Em artigo anterior2 , defendemos que as três instituições fundamentais que existem em Portugal, a Universidade, a Igreja e as Forças Armadas, estão a ficar de tal modo enfraquecidas que podem pôr em risco a sobrevivência nacional.
            Em complemento, vamos hoje discorrer sobre a gravíssima crise em que mergulhou a agricultura portuguesa.
            Como se sabe, as actividades agrícolas estão na origem da sedentarização dos povos e na posterior estruturação e desenvolvimento das comunidades.
            A existência de alimentos é uma condição básica de sobrevivência para qualquer indivíduo/sociedade e tal consegue-se, sobretudo através dos produtos da terra, complementados com a criação pecuária e a pesca. A existência de excedentes fomenta as trocas aumentando o comércio e os bens ao dispor. Cresce, deste modo, a riqueza, o que permite investimentos noutras áreas, e, assim sucessivamente.
            Aumentando a população (por via de uma boa alimentação), os misteres diferenciam-se, porque já nem todos precisam de trabalhar o campo e porque as necessidades materiais, culturais e espirituais aumentam, permitindo e exigindo uma maior especialização…
            Bom, tudo isto é sabido, como é sabido também, que desde principalmente, o século XVI, Portugal não consegue ser auto-suficiente em matéria alimentar, nomeadamente nos cereais. Sem embargo, por melhores ou piores que fossem as políticas seguidas sempre houve a intenção e a preocupação de produzir mais e melhor. Agora o que é inédito e inaudito é que se fomente (pagando) a não produção, o abandono das terras e se atire cerca de 20% da população para a voragem canibal das multinacionais alimentares e respectivos intermediários, sem outra defesa que não seja o subsídio – outra despesa. Pois é efectivamente isto que está a acontecer em Portugal, indo já ter efeitos em 1993, em termos de desemprego, falta de escoamento de produtos, baixas de produção, aumento do custo dos factores de produção, confusão e corrupção na distribuição de créditos e subsídios, agitação social, etc.
            Reparem, o raciocínio é simples: Imaginem vários peixes de diferentes tamanhos que viviam em aquários separados mas cujas paredes se tocavam. O que defendia os peixes pequenos dos grandes eram as paredes dos aquários (fronteiras). A certa altura começaram a partir as paredes dos aquários, sem que dessem tempo aos peixes mais pequenos que crescessem.
Agora adivinhem o que é que os peixes grandes vão fazer aos pequenos!? É isso, comem-nos, e nós estamos exactamente nessa posição (dos peixes pequenos).
            A PAC é uma aberração. É antieconómica e é antinatural. E (aparentemente) estúpida. Protege, sobretudo, os circuitos comerciais internacionais (e vamos ver que guerra é que isto vai dar com os EUA e Canadá, dentro e fora do GATT).
            Haverá, assim, tendência para que passe a existir uma multinacional “alemã” da beterraba açucareira, uma “inglesa” para a ovelha; uma “francesa” para o vinho; uma “espanhola” para o azeite, e assim por diante. Em última análise toda a parte produtiva e comercial do que fazemos sairá das nossas mãos e passará para entidades supra ou transnacionais, cinzentas, estranhas e às vezes difíceis de identificar, cujas únicas baias são as regras emitidas pelos tecnocratas de Bruxelas, após luta feroz entre interesses e “lobbies”. Quando as coisas correrem mal quem será o responsável? A quem se poderá pedir contas?
            Por outro lado, e por via dos acordos comunitários estamos impedidos de procurar fornecedores ou mercados onde mais nos interesse, caducando naturalmente qualquer acordo bilateral que pudéssemos ter.
            Enfim, a situação, a prazo, será tão ou mais grave do que a monarquia dual imposta por Filipe I, em Tomar, no ano da graça de 1581.
            Parece-nos ainda inadmissível que num mundo em que morrem milhares de pessoas de fome todos os dias, em que cerca de um bilião de seres humanos vivem no limiar da sobrevivência, se destruam alimentos e não se aumente a produção de quem o pode fazer. Mesmo em Portugal, é chocante ver estragar comida, não apanhar a fruta das árvores, entornar o vinho nas ruas, etc., com tanta gente a passar mal e os preços sempre a subirem nos mercados.
            Que diabo, ofereçam ao menos às Misericórdias ou, se forem menos amigos do género humano, dêem ao Jardim Zoológico … Mas, o mais grave de tudo, parece-nos, situa-se a nível do psicológico.
            Os agricultores são o âmago da Pátria, a força telúrica da Nação, que emana da terra, uma reserva moral (e material) do País. O homem da terra está intimamente ligado à natureza e às suas leis, mantendo com ela uma relação de equilíbrio estável e intuitivo, que transporta para a família e para a sociedade. Ora pedir a um operário que não produza tantas rodas dentadas não é o mesmo que pedir a um agricultor que deixe morrer as suas árvores de fruto. O operário tem alternativas, ou vai de férias. Quiçá ficará grato. Mas, o agricultor? Vai para o café da aldeia carpir mágoas? E, oh almas, não vêem que quando as árvores morrerem é também um pouco do agricultor que morre também? Não percebem que a actividade agrícola está ligada à alma do agricultor e que o equilíbrio atrás mencionado pode ser rompido?
            Infelizmente a impressão que temos é que a maioria de quem anda a negociar e a decidir sobre estes assuntos não percebe, não quer perceber e terá até raiva de quem perceba destas coisas. São uns rapazes armados em tecnocratas do “jet set”, de computador debaixo do braço, sempre ávidos a transformar ecus em escudos e vice-versa. Mas, Deus do Céu, que outras qualificações terão para negociar estas questões, que perceberão das motivações das pessoas a quem deveriam defender os interesses e das implicações que das decisões advirão para os interesses nacionais?
            A questão dos subsídios, já falada, está completamente inquinada. Por várias razões. A primeira sendo a de não se saber o que é que se quer fazer em termos agrícolas. É preciso ter um plano agrícola, silvícola, pecuário, etc., com objectivos a atingir e depois fazer os investimentos em conformidade. As ideias neste campo são as mais diversas e andam sempre a mudar. Ora despejar dinheiro num cesto destes é ter a garantia, à partida, de que a maioria dele se evaporará sem benefícios visíveis. Em segundo lugar, é preciso ter uma política de subsídios. Tem que se saber que tipo de subsídios existem e quais as condições em que podem ser concedidos. Numa palavra é necessário que as regras do jogo sejam claras.
            Além disso, é vital dá-las a conhecer. Tão mais vital, em virtude da maioria dos agricultores portugueses ser idosa e possuir um grau de cultura muito baixo. Não será fácil proceder a este esclarecimento (como fazer face às restantes coisas), quando a maior parte dos funcionários do Ministério da Agricultura está em Lisboa …
            Em terceiro lugar, é importante que a concessão de subsídios seja fiscalizada sob pena de nos atolarmos num pantanal de corrupção e injustiça. Isto é: nos subsídios malparados!
            Creio bem, que é já neste estádio que nos encontramos. Desenvolveu-se, entretanto, uma “fina flor de chicos espertos” que passaram de “agricultores” para aquilo a que poderemos chamar de “gestores de subsídios”. Acontece de tudo: luvas entre quem empresta e quem recebe; favores; empresas fantasmas; financiamento de produtos que nada têm a ver com as campanhas de momento, falências fraudulentas, etc., etc..
            Enfim, muito subsídio para o Mercedes e pouco para a vaca!
            No meio de tudo isto, uns poucos enriquecem e a maioria dos agricultores está no limiar da sobrevivência, atolados em dívidas. E sem saber o que fazer.
            Uma palavra mais sobre os subsídios. Não se deve, quanto a nós, criar o reflexo condicionado da pedinchice. Isto é: se chove muito, pede-se subsídio; se não chove, pede-se subsídio; se os preços caem, pede-se subsídio; se não se escoam os produtos, pede-se subsídio; e tudo, de preferência, a fundo perdido. E perguntamos nós, quando a colheita é boa, alguém devolve algo? E os seguros de colheita servem para quê? E que tal ensinar os “empresários” agrícolas a fazerem uma boa gestão dos seus meios?
            Uma coisa é certa, faça sol, chuva ou vento, produza-se muito ou pouco, no dia seguinte as coisas estão mais caras no mercado!
            É evidente que tem que haver subsídios, mas haja peso e medida. E mão forte para quem burlar.
            Em síntese, o subsídio deve servir para corrigir políticas, formar técnicos, fazer face a calamidades extraordinárias, reconverter culturas, apoiar experiências inovadoras, apoiar a estabilização de preços, etc.
            As contas, porém, devem ser tornadas públicas, no fim do ano. Neste particular seria bastante útil que se soubesse a distribuição a que foram sujeitos os cerca de 1.300 milhões de contos que entraram no País desde a sua entrada na CEE.
            Do que já foi dito extraem-se muitas consequências negativas em termos de defesa nacional. Uma primeira constatação, contudo, merece ser dita desde já: é que nos parece que nada do que se tem jizado em termos de política agrícola (como de resto nas outras), teve em conta qualquer preocupação em termos dessa mesma defesa.
            Muitos aspectos merecem a nossa atenção: a cidade está cada vez mais afastada do campo, o litoral do interior. Há zonas perigosamente despovoadas e desertificadas: por via da crise agrícola pode aumentar a tensão social, a agitação e diminuir a solidariedade nacional. Estes aspectos necessitam de rápido tratamento sob pena do País ficar algo mutilado e crescerem tendências regionalistas e centrífugas e de ligação a regiões adjacentes espanholas.
            Em termos de defesa nacional (e em termos macroeconómicos também), é perigoso que o País não produza sequer 50 por cento do que come. Agrava esta situação o facto da produção das restantes parcelas da economia nacional não chegarem para cobrir este défice.
            Ficamos, assim, dependentes do exterior. E do que Bruxelas nos quiser vender e comprar (o que acontecerá quando houver quebras de produção?); torna-se muito mais difícil constituir reservas estratégicas para qualquer emergência, crise ou guerra. Uma má política agrícola e silvícola, degrada o solo, a gestão da água disponível desertifica. Suponham, por absurdo, que só somos autorizados a plantar eucaliptos?!
            Mas o mais grave em termos de defesa nacional, relativamente à PAC é que nos toma, por um lado completamente dependentes de outros países e sobretudo de Bruxelas 3 e por outro, vai-nos reduzir a agricultura a franjas de pequenas produções ou obrigam-nos a produzir coisas que mais ninguém quer produzir. Só conseguiremos evitar isto, ser produzirmos mais barato, e melhor que os outros. Gostaria de desafiar as autoridades competentes a explicarem como é que isto estará ao nosso alcance. Sem embargo, tudo o que nós tivermos de bom, terá tendência a ser comprado pró quem tem posses saindo das nossas mãos, não só os bens como a mais valia que os mesmos podiam prover. Numa palavra, ficaremos como estava D. João II quando subiu ao trono: seu pai tinha-lhe feito senhor dos caminhos e estradas do reino e pouco mais…4
            A concluir o quadro, é preciso ter em conta, que tudo se faz para manter a população desinformada sobre estes assuntos.
            Parece-nos, assim, importante, que se estude e debata as implicações das opções políticas que são tomadas a esmo, sempre com grande optimismo, sempre na mira dos milhões fáceis (que hão-de, fatalmente, ser pagos com juros), na mira de sinecuras, mas sem cuidar bem dos verdadeiros interesses nacionais. Atitude esta, que a continuar levará à conclusão – legítima – que os citados interesses estão bem longe das preocupações daqueles que, por dever, os deviam ter em preocupação primeira.
            Estes assuntos têm que ter um tratamento de Estado. Não podem ser conduzidos por mercenários da política, desconhecedores do país real e dos seus interesses permanentes e profundos; que renegam (quando conhecem) a História Pátria e têm do funcionamento do mundo uma ideia, no mínimo, nebulosa.
            Todavia, manejam muito bem a máquina de calcular e são peritos em servir os interesses de momento que lhes permitam manter o exercício do poder … pelo poder.
            Caros compatriotas, cuidado se um dia estes senhores chegarem à conclusão que é muito caro manter Portugal como país independente, naturalmente, vendem-no.


* PAC, reformulada em 1992, pela Comunidade Europeia (CE).
[1] Meu pai
[2] “Portugal, o Princípio do Fim”, “O Dia” de 27de Setembro de 1992.
[3] Daí a PAC ser estúpida, apenas aparentemente.
[4] Só que, nessa altura, as terras estavam na mão dos nobres, que, por sinal, eram portugueses.

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