sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A LIBERDADE DE IMPRENSA - EXPRESSÃO, PARA QUE SERVE?

19/4/2010

Manuela Moura Guedes no jornal da TVI
Há umas semanas atrás rebentou uma zaragata política por causa do que se passou na TVI, o que se desenvolveu a vários níveis e envolveu vários putativos negócios e “fait divers”, afins.

O assunto acabou em audições em comissão de inquérito parlamentar e fez as delícias de comentadores e “medias” da escrita, da palavra e da imagem. Já antes houvera inúmeros casos do mesmo jaez e, para mal dos nossos pecados, vai continuar a haver.

Desta vez, porém, subiu-se a parada, tendo sido posta em causa a própria liberdade de imprensa. Regista-se, pois é a primeira vez, creio, que tal aconteceu desde os tempos em que o nobel Saramago se dedicava a sanear jornalistas do Diário de Notícias.

Ia caindo o Carmo e a Trindade.

Pudicícias, direi, já que a tentativa de censura ou condicionamento da opinião, se perde na bruma dos tempos e percorre todos os povos e regimes.

Os doutrinadores do Estado Novo foram, neste âmbito, muito mais honestos: a comissão de censura era pública e tinha rosto e o governo estabelecia regras, que eram respeitadas e, ou, impostas. Sabia-se com o que contar. E quem assim actuava, assumia a responsabilidade.

Agora não, agora é tudo democrático e todos são a bondade e a honestidade em pessoa, quiçá discípulos do saudoso Padre Américo.

É certo que as leis da República garantem “urbi et orbi” como tudo deve ser imaculado, o problema é a prática. Na prática – porque todos somos humanos e a carne é fraca – a liberdade de informação corre paredes-meias com a liberdade de manipulação e os princípios filantrópicos em vez de serem baias e referências de conduta, são usados como cortina de fumo para práticas menos consentâneas.

E como a prática político/partidária é relapsa a princípios e muito dada a conveniências, julgo que não é preciso dizer mais nada. Ou por outra, é: as leis estão feitas para causticar o cidadão honesto e cumpridor e obrigar a impossíveis para castigar os infractores, os corruptos e os criminosos.

No entretanto, os agentes políticos, económicos e outros, e as entidades detentoras dos órgãos de informação dedicam-se, aparentemente, a condicionar aquilo que se escreve, emite e projecta, através de limitações ao acesso a empréstimos bancários, contratos a prazo, domínio de grupos económicos, partidarização de órgãos, escolha de homens de mão para lugares chave, etc. O “etc” é o limite da imaginação humana.

É certo que se pode publicar, ouvir e ver opiniões diferenciadas e existe direito ao contraditório (embora haja uma série de assuntos quase tabús e muitas ideias feitas …), mas tal é derramado num tal dilúvio de informação que o vulgo tem as maiores dificuldades em perceber o que se passa e extrair sínteses de informação adequada.

Para se entender o que ocorre é necessário cruzar um conjunto alargado de notícias e conhecer com alguma profundidade um número substancial de cidadãos intervenientes, o que apenas é acessível a muito poucos.

No meio deste folclore partidário há uma questão que parece importar fazer referência e que é esta: para que serve a liberdade de expressão? Não estamos a discutir se existe ou não – já vimos as condicionantes – mas a que sobrevive, para que serve? Ou seja que consequências tem? Vamos ilustrar com um exemplo.

Em 1967, ocorreu um caso de escândalo social e moral que ficou conhecido pelo “Ballet Rose”. Tratava-se de um caso de práticas sexuais com menores do sexo feminino (17 anos), que envolvia umas poucas figuras públicas com algum nome na sociedade.

Apesar da censura prévia, que apenas deixou tratar o caso nos “media” com discrição, a extensão do caso foi conhecida de larga maioria da população e as organizações de oposição política ao então regime, fizeram - e ainda hoje fazem - larga exploração do evento, que ficou como “bandeira” - apesar das mentiras propaladas e da abusiva colagem a politicos da altura.

O que é um facto é que as autoridades de então actuaram, acabaram com a “casinha” e a prática dos actos impróprios, defenderam a moralidade dos costumes e condenaram em tribunal uns poucos cidadãos.

Chegamos aos dias de hoje, com as amplas liberdades badaladas, a ética republicana, a autoridade democrática, leis elaboradas segundo os melhores processos, e mais um sem número de lugares comuns pomposos e o que se assiste?

A isto: todos os santos dias vemos escancarados nas páginas dos jornais, nas frequências da rádio e nas pantalhas televisivas (fora o resto) uma caterfada de escândalos mirabolantes, crimes, depradações, iniquidades, casos de corrupção, e agressões diárias ao equilíbrio psicossomático dos indivíduos ainda resistentes às tentações de Sodoma e Gomorra, que o pobre do português fica doente e ensismesmado só de saber. E que acontece?

Pois não acontece nada! Isto é, os criminosos não são punidos e os poucos que vão presos, apressam-se a ser soltos; os costumes foram relativizados; não se corrige nada e o despudor é infrene.Até a censura social quase desapareceu...

Ora tudo isto é mais grave do que haver censura pois leva a que os cidadãos deixem de acreditar seja no que for e ao apodrecimento do sistema político.

O Sr. Primeiro-Ministro, ou qualquer outro político, escusa pois de esganiçar a voz em denúncias ou desculpas de mau pagador, porque já ninguém os consegue ouvir. Queremos acções e probidade.

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