sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A ESCOLHA DO NOVO AEROPORTO DE LISBOA E A DEFESA NACIONAL

Nota: com este título escrevemos em jornal de grande divulgação, em 3/12/1999, o texto que se segue:

Maqueta do NAL em Alcochete.
Ao fim de longas e porfiadas discussões ocorridas nos últimos anos está, aparentemente, tomada a decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa... E dizemos aparentemente porque nunca se sabe.
A discussão correu à volta de dois locais, a Ota ou Rio Frio tendo, mais tarde, surgido adeptos de que se deveria manter o aeroporto na Portela com as devidas adaptações.

Não vamos entrar na discussão de carácter sobre qual a melhor das hipóteses. Não é isso que nos interessa.

Sobre esta questão, por demais complexa e delicada e afectando imensos interesses, pronunciaram-se um sem-número de entidades singulares e colectivas, estatais e pertencentes à chamada sociedade civil. Fizeram-se estudos de impacto ambiental (muito na moda), sobre terraplanagens, comunicações e transportes, meteorológicos, de tráfego aéreo, de economia, de proximidade ou não de centros populacionais, que sabemos nós? E está certo! Deve ser assim mesmo, dada a importância da questão e estamos já fartos de assuntos importantes tratados em cima do joelho.

Só que, e aqui é que bate o ponto, toda a gente discutiu tudo à excepção dos aspectos da Defesa e Segurança nacionais. A única abordagem, mesmo assim ao de leve, sobre este assunto, que vimos publicada, saiu num dos últimos boletins da Sociedade Histórica para a Independência de Portugal e é da autoria do comandante Virgílio de Carvalho. Honra lhe seja feita!

A nós, porém, parece-nos que estas considerações deveriam ser tratadas em primeiro lugar e com mais propriedade, ou não deviam?

Adiantamos alguns exemplos do passado em que existiam estas preocupações relativas à Defesa.

Quando o caminho-de-ferro, por meados do século passado, quis atravessar a fronteira, colocou-se o problema da largura da via ser a mesma que a espanhola. E não foi. Isto, porque se temeu que os espanhóis embarcassem uma Divisão em Badajoz e chegassem a Lisboa em três horas. Com o rodar do tempo, o desenvolvimento económico e o aumento do tráfego tornaram muito penalizante esta situação. E lá se resolveu pôr o carril da mesma largura.

Mas, para compensar a questão da Defesa, que se mantinha, criou-se a Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, justamente no caminho mais provável de uma invasão. Isto é, não se obrigava os espanhóis a vierem a pé ou a cavalo, mas paravam-se a tiro de canhão …

A ponte sobre o Guadiana em Vila Real de Stº António também não foi construída durante muito tempo, não só por não haver verbas, mas também porque o Estado-Maior do Exército se opunha a tal. Do lado espanhol, por exemplo, reparem que nunca, desde 1801, data em que foi destruída, se intentou reconstruir a ponte de Alcântara, única passagem que de Olivença dá acesso a Portugal.

É por isso que o gasoduto que nos traz o gás do Norte de África jamais deveria entrar por Espanha, mas sim pelo mar, independentemente dos custos acrescidos que isso eventualmente teria. A segurança não tem preço. É por isso, também, que se deve pôr todo o cuidado na construção da barragem do Alqueva e suas consequências, para não alienar ainda mais a já tão abandonada e desamparada margem esquerda do Guadiana que constitui território nacional.

Muitos outros exemplos poderiam ser citados, mas para a ilustração que pretendíamos, julgamos poder ficar por aqui.

Ora, sobre estudos de Defesa Nacional relacionados com o novo aeroporto ninguém falou. E isto depois de termos um Ministério chamado da Defesa Nacional, com centenas de funcionários (a tropa mirra, mas os funcionários civis aumentam…) e com uma direcção chamada de Política de Defesa Nacional, com um ministro que tem sido até agora a segunda figura do elenco governamental – justamente para ter preponderância sobre os outros ministérios e poder coordenar os aspectos de Defesa Nacional a que eles dissessem respeito -, mas que na prática é apenas um ministro para as Forças Armadas (FA).

Temos uma Lei de Defesa Nacional e das FA (LDNFA) que, na prática, é apenas uma lei para as ditas cujas; uma quantidade impressionante de doutrina e de documentação que ninguém consegue manter actualizada; Grandes Opções do Conceito Estratégico Nacional, Conceito Estratégico Nacional, Conceitos Estratégicos das Diferentes Áreas (só existe o Militar); missões das Forças Armadas, dispositivo e sistema de Forças; Planeamento de Forças; Lei da Programação Militar; Lei do Serviço Militar; Cursos de Defesa no Instituto de Defesa Nacional, Mestrados em Estratégia em universidades civis, Estados-Maiores, etc.. Vai-se a ver e ninguém liga peva a uma questão destas. Bom é possível que no segredo dos gabinetes (e pelo menos sabemos que a Força Aérea produziu um documento sobre o assunto), algumas questões tenham sido ventiladas - e até suspeitamos que o tenham sido pela escolha da OTA, já lá iremos -, mas para o vulgo é como se não se tivesse passado nada. Isso seria importante esclarecer a opinião pública para a importância das considerações sobre Defesa que a questão implica (desde que não se entrasse em assuntos confidenciais). Já que hoje, mais do que nunca, uma opinião pública bem informada é vital para a Defesa Nacional. Será que se tem receio de falar nestas coisas? …

Havia, para já, considerações de carácter militar – é certo que a tropa é para acabar, mas ainda vai levar algum tempo … -, e mesmo que o aeroporto vá para a OTA não vai ser fácil retirar de lá e reinstalar todas as subunidades que lá se encontram, mas isso já deve fazer parte dos custos previstos, apesar de nunca ninguém ter falado neles …

Ora, quanto a Rio Frio, a situação era mais sensível, já que isso iria afectar a Base Aérea 6, no Montijo, que é uma Unidade onde existem infra-estruturas da NATO mas que, enfim, com algum trabalho e uns milhões de contos se resolvia; e o Campo de Tiro de Alcochete (CTA). E aqui é que a porca torcia o rabo…se havia alternativa para a Base do Montijo e para a OTA não existe alternativa, para onde levar o que existe em Alcochete? Vale a pena laborar um pouco sobre isto.

O CTA foi inaugurado em 1904, depois de elaborados e cuidados estudos (que abrangeram todo o País), realizados por um coronel de artilharia.

O CTA tem assim a sua localização idealmente escolhida e com todos os requisitos técnico-ambientais, de segurança e de proximidade das entidades a que se destinava (e destina) servir, optimizadas.

As suas missões iniciais destinavam-se a servir a carreira de tiro para armas pesadas e ligeiras, de campo de ensaios das indústrias de defesa e de paiol. Todas estas missões se mantêm e foram aumentadas muitas vezes e vultosos investimentos realizados. E acrescentou-se uma outra que porventura iguala ou ultrapassa todas estas: servir de carreira de tiro convencional (já que não se conseguiu espaço para a tornar táctica), par aos aviões da Força Aérea Portuguesa (e, às vezes, para estrangeiros).

O CTA tem condições ideais em termos de meteorologia, infra-estruturas, de terreno (capacidade para absorver impactos e evitar ricochetes) e de segurança.

Há poucos anos, quando era CEMGFA, o general Lemos Ferreira, gastaram-se umas centenas largas de milhares de contos a expropriar terrenos de modo a aumentar-lhe as zonas de segurança. Nos últimos anos tem-se investido milhões de contos em equipamentos modernos e sobretudo em paióis, já que foram transferidas para lá a quase totalidade das munições à medida que os antigos paióis, sobretudo do exército, iam sendo desactivados.

O CTA transformou-se ainda numa reserva ecológica modelar. Ora, fazer o aeroporto em Rio Frio era condenar o CTA. E como já se disse não há alternativa no País (como se sabe já quase não se consegue dar um tiro em lado nenhum a não ser numa coutada das mais caras), a não ser uma zona a sul da Comporta. Mas esta zona iria trazer problemas ecológicos, relativamente ao turismo e ainda de tráfego aéreo, isto claro está, para não falar do preço de construir um campo de tiro novo e que não há-de ser menos de 150 milhões de contos.

Bom, existem duas alternativas: a primeira é passar a ir fazer tiro a Espanha ou noutro país da NATO que nos aceitasse, pagando, é claro (também se paga com soberania …); a segunda é pura e simplesmente acabar com a tropa (a gente sabe que é para acabar, mas ainda leva algum tempo).

Mas sobre estas hipóteses os leitores ajuizarão.

Par além dos aspectos puramente militares, há ainda dois outros que nos parecem dever ser tido sem conta relativamente à Defesa e Segurança Nacionais: o que é que nos espanhóis pensam fazer no território deles e que nos vai afectar – e parece que a grande ideia é fazer de Madrid a grande placa giratória da Península; e relacionado com este aspecto também e não só, como é que o nosso aeroporto vai encaixar na política de transportes aéreos nacional (se é que há alguma coisa) e como é que ele entrará no sistema de comunicações que temos (auto-estradas, ferrovias) e devíamos ter – marítimas, quando é que os governos vão perceber que temos que nos voltar par o mar, novamente? Isto é, para o aeromar?!

Não descortinamos por que é que será tão difícil ou inadequado, ao menos, falar sobre isto, publicamente.

Seria um bom serviço prestado ao País.

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