domingo, 3 de outubro de 2010

O PM E OS PILOTOS MILITARES

12/07/10

Aeronave Marcel-Dassault Falcon 50
Com cerca de mês e meio de “decalage”, surgiu nos jornais uma “fuga de informação” que dava conta da eventual insatisfação e desconforto do senhor Primeiro Ministro (PM), relativamente à “recusa” da tripulação do Falcon 50, da FAP, em o transportar para Lisboa, após uma reunião em Bruxelas.
            Tal facto teria ocorrido no dia 7 de Maio, aquando da reunião da União Europeia, em que foi acordado o apoio financeiro à Grécia e criado um fundo de reserva de 750 Meuros à guarda do Banco Central Europeu (por curiosidade refere-se que esta reunião foi antecedida de uma outra, poucos dias antes em Dublin, do grupo “trilateral” e continuada por outra, a 6 de Junho, em Barcelona, do Grupo Bilderberg…).
            O caso deu-se por a reunião em que a comitiva portuguesa esteve presente, ter demorado mais do que o previsto e tal ter provocado que o tempo máximo de trabalho da tripulação ir ser ultrapassado.
            Sem querer entrar em pormenores, refiro que o tempo de serviço aéreo é calculado em termos diários, semanais, mensais e até semestrais e anuais, em função do tipo de aeronave que se voa; é definido, com nuances, entre o início de um voo e o seu término, e está devidamente legislado (na FA através do Regulamento do Serviço Aéreo e para os civis, através do Dec-Lei 139/04,de 3/7.). A seguir a um período de actividade aérea, segue-se obrigatoriamente um período de descanso, também ele regulamentado.
            Deve acrescentar-se que a legislação civil é mais restritiva que a militar e que ambas são naturalmente para cumprir, pois para além de uma questão de princípio, mexem com a segurança de voo. Na FA, por ser uma força militar, por maioria de razão.
            Para um completo esclarecimento do quadro, deve acrescentar-se, que a nível das empresas do Estado, o cumprimento da legislação é vigiado cuidadosamente pelos sindicatos, enquanto que na aviação que se move no âmbito do livre mercado, as empresas sentem a legislação como uma limitação que lhes tolhe a “flexibilidade” e os lucros, pelo que existem pressões amiúde, sobre as tripulações para “forçar” as restrições existentes.
            Por último, o comandante de bordo ou qualquer membro da tripulação pode colocar restrições ao seu desempenho caso não se sinta em condições psico-físicas para o exercício das suas funções, o que obviamente obrigará a uma cabal justificação do ocorrido.
            Finalmente, a nível da FA, havendo operações reais a decorrer em casos de emergência, crise ou guerra, o grau de risco e esforço poderá ser aumentado, a qual será da decisão da competente cadeia de comando. Em qualquer caso deve estar presente o “bom senso”, muito escorado na experiência, conhecimento e importância da missão.
            Ora à FA está cometida a missão, através da Esquadra 504, de transportar altas entidades do Estado.
            Porque é que existe esta missão?
           Pois, porque só a FA tem a capacidade e a flexibilidade de, no âmbito temporal e espacial, em apoiar este tipo de operação, já que a grande parte das missões são inopinadas e têm um tempo de duração incerto. Permite ainda um grau de segurança física maior. Além disso, exige-se às empresas civis um grau de eficiência elevado, que não é compatível com ter meios disponíveis para estas missões (além do seu elevado custo). Já assim não acontece com a FA que, sendo um ramo militar, a eficácia prefere, devendo ter sempre potencial disponível, para qualquer necessidade que surja.
            Ora tudo isto só se consegue com uma estrutura de comando e controle adequado e com aquilo a que se convencionou chamar de “condição militar”. De facto é esta característica que permite a disponibilidade de tempo e lugar e de um lote alargado de exigências e restrições individuais, que garantem o cumprimento de todas as missões em toda e qualquer circunstância.
            Isto é verdade para a FA (e para todos os restantes militares), mas não é verdade para os civis.
            Para além disso o pessoal da FA tem a missão de utilizar os seus meios como um sistema de armas integrado na defesa do espaço aéreo nacional e na cooperação com as forças de superfície (Exército e Armada), onde têm o dever de arriscar fazenda e vida. São o último instrumento para a sobrevivência do Estado e da Nação e representam um elo transcendental que mantém de pé essa entidade misteriosa que dá pelo nome de Pátria. Missão das mais insignes e importantes, portanto.
            Comparados com isto – e sem desprimor – os aviadores civis são apenas uma peça de um negócio, sem embargo da sua utilidade social e económica.
            Ora vai-se aos finalmente e aqueles que gozam de mais direitos e menos deveres (os civis) têm uma dignidade social mais elevada e ganham estupidamente mais (os que estão em empresas estatais) e menos estupidamente mais (os que estão na privada), do que aqueles que têm  menos direitos e mais deveres – os militares!
            E pode ser até, sr. PM, que os motoristas que foram recentemente reforçar o seu gabinete, ganhem mais, só de ajudas de custo, do que o capitão que o transportou a Bruxelas...
            Não foi seguramente por isto que o senhor  PM ficou em terra, mas pode um dia destes não ter sequer quem o transporte, pois no quadro de pilotos aviadores faltam cerca de 1/3 dos efectivos…
            E como tem sido timbre de todas as forças políticas porfiarem em descaracterizar e minarem os fundamentos da Condição Militar – que é o que permite manter a Instituição Militar de pé - podem acordar um dia com a impossibilidade de cumprirem missões ou com um gravíssimo problema “disciplinar”, no regaço.
            Umas notas finais:
            Parece ser de todo útil haver uma maior coordenação entre partes, para que acontecimentos como este, desapareçam ou sejam minimizados. Pode, por ex., estimar-se melhor a duração dos eventos e enviar tripulações reforçadas; pô-las a descansar atempadamente; posicioná-las ou rodar aeronaves (claro que tudo isto implica meios…),etc. Menos se compreende, que o PM  tenha regressado em voo comercial no dia seguinte de manhã e o Falcon também… Duas despesas.
            Por último, transportar altas individualidades implica cuidados adicionais, o que se iria dizer de uma tripulação que tivesse violado o período de descanso (ou outras regras) e ocorresse um acidente? Lembram-se do voo em que faleceu o ex-Presidente da Polónia?
            Fez bem o comandante da FA em defender os seus homens – não seria aliás de esperar outra coisa – e nem parece que o PM ficasse aborrecido com o sucedido, ao contrário do que alguns “media” – sabe-se lá com que intenção  - quiseram fazer crer.
            Mas se por acaso um dia ficar, tem boa solução: faça-se transportar numa companhia civil – o governo é, até, patrão de algumas.
            Verá como fica satisfeito num ápice.

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