quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O “TABU” DO REFERENDO AO TRATADO DE LISBOA

2007

“Para jurarem solenemente, perante Deus, perante o mundo e perante o país, que havemos de repelir com toda a energia da nossa vontade, das nossas forças, das nossas crenças, dos nossos sentimentos, das nossas convicções e da nossa alma qualquer emboscada ou infame atentado contra a independência Nacional.”
Pedido feito às Cortes, por um deputado anónimo, um homem do povo.
Estendendo o braço direito os deputados Juraram.
Lisboa, 1869

Soubemos agora que não há referendo. A decisão foi maquiavelmente tomada, de jofre num dia, logo seguida do anúncio de Alcochete como futuro local do novo aeroporto. Brilhante esta jogada: com tanta substância para mastigar, tornava-se impossível a digestão e como o folhetim da Ota colhe muito mais interesse no Zé, a controvérsia sobre o referendo esfumou-se. Daqui se tira o chapéu a S. Bento. Mas não pelas melhores razões …
            Nós entendemos a União Europeia (UE) como um objectivo nacional importante, mas circunstancial. Circunstancial ao tempo e ao modo.
            Devemos aproveitar a UE naquilo que nos interessar e devemos sair quando ela nos prejudicar, no que tivermos de essencial. Esse momento, essa “fronteira”, será traçada quando a Europa (que é uma expressão geográfica – tal como a Ibéria ! - e não deve passar disso), quiser passar para uma unidade politica. Isto é, quando a UE tentar evoluir dos Estados Nações para a Federação. Isto representaria o fim do Estado Português no quase imediato e da Nação Lusa, a prazo.
            E é isto que o anterior Tratado Constitucional apontava às claras e que o actual Tratado de Lisboa tenta fazer às escuras.
            Por isso os portugueses não devem estar agradados por ele (Tratado) ter sido aprovado. E devíamo-lo chumbar.
            Do que julgamos saber do actual estado de espírito e de conhecimento da opinião pública (pior ainda na publicada!), estamos em crer que se se fizesse um referendo sobre o Tratado – independentemente da manipulação, que se intentasse fazer sobre a(s) pergunta(s), o resultado seria favorável à sua aprovação.
            Logo, para os estrategas da política nós estaremos a evidenciar um comportamento “anormal” ao defendermos a realização do referendo. Isto porque deveríamos estar satisfeitos por assim se perpetuar a falta de legitimidade dos governos portugueses, desde 1986, quanto à decisão de nos meterem na CEE, depois na CE e mais tarde na UE. Esquecem-se que esta tese é facilmente iludida com o argumento de que a adesão a esta organização transversal e internacionalista, fazia parte dos principais partidos políticos e que o Parlamento resultante de eleições, também tem legitimidade para aprovar tais passos …
            Porque o fazemos então?
            Em primeiro lugar porque é necessário (cada vez mais) defenderem-se Princípios e não conveniências. Os políticos não devem andar a virar de casaca conforme lhes convenha no momento (e se os povos forem por maus caminhos têm que se aguentar …).
            Em seguida por uma questão de coerência e de decência: os políticos têm que cumprir o que afirmam e têm que defender os interesses da Nação Portuguesa. É para isso que são eleitos e se lhes paga. Temos que a função de político – quem governa a cidade -, deve ser tida em alta conta. A actuação dos nossos políticos desclassifica-os. [1]
            Mas, sobretudo, defendemos o Referendo por uma questão de imprescindibilidade cívica. De facto, o que está em jogo não é nenhum assunto menor, não tem a ver com comportamentos morais (ex aborto), ou com organização administrativa do território (ex regionalização). O que está em cima da mesa é um documento de legalidade internacional, com vastas implicações futuras e que mexe com a identidade e a individualidade de Portugal como Nação Independente. E o próprio governo que a jurou defender recusa-se, aparentemente, a esclarecer o que se está a passar e não quer pôr à consideração dos nacionais, o seu beneplácito. Não há memória de “despotismos esclarecidos” terem semelhante comportamento!
            O Prof. Salazar, cuja figura tem sido tão abominada, não era de facto um Democrata – e tem doutrina q.b. que o sustente -, mas era probo. E tinha, como o Prof. António José Saraiva escreveu [2], a rara virtude da recta intenção. Estes políticos de agora, não têm palavra, balançam nos interesses e não se dão ao respeito. Transformaram o Estado nos antípodas da chamada “pessoa de bem”.
            Salazar, que não era democrata, mas acreditava na força do Direito e da Razão, na magestade da Lei (e era o primeiro a cumpri-la), e não promíscuia fronteiras da Ética e da Moral, fez o primeiro referendo de que há memória em Portugal, justamente sobre a nóvel constituição de 1933. Coisa que, por ex, os republicanos nunca fizeram após o 5 de Outubro de 1910 – ou seja a República fundou-se num crime político (o assassinato do Rei D. Carlos e do herdeiro do trono), e um golpe de estado revolucionário, que a constituição de 1911 legitimou, apenas, pela força das baionetas.
            Por ironia do destino, acabou por ser o autocrata Salazar a ajudar a legitimar a República com o seu referendo, embora lhe mudasse completamente o figurino.
            Sem embargo, nunca teve a ousadia de impôr a perpetuação do regime, obrigando à exclusividade da fórmula republicana, como acontece com a actual Lei Fundamental, legitimando-se assim, à partida, qualquer acção violenta quanto ao status quo!
            Argumentam gurús políticos e fazedores de opinião que o “povo” não está preparado para discutir e opinar sobre questão tão complexa. Quer dizer, o “povo” – esse burro de carga, que serve para tudo menos para decidir o seu futuro -, pode votar em questões complexas como sejam os regimes políticos; escolhas de governação, nos seus supostos representantes que mal conhecem,etc, mas não se lhes dá carta de alforria para apreciarem um conjunto de artigos que põem em causa o modo como subsistem desde 1128! Os senhores arvorados em políticos não têm vergonha de pôr assim em causa o próprio regime de que tão adeptos se dizem?
            Mas se porventura a maioria da população não está preparada pela sua ignorância ou desinteresse – como aliás não está para tantas outras coisas!...-, para assimilar as doutas propostas, porque não se a prepara para tal? Que é feito dos milhões que se gastam no ensino? Haverá falta de televisões, rádios, jornais, revistas, Internet e outros meios de comunicação de massas?; há falta de verba para gastar em campanhas eleitorais? Ora tenham vergonha! E como podem ter o despautério de querer “impor” um desígnio que afecta milhões de pessoas em aspectos fundamentais das suas vidas, quando acham à partida que tal é incompreensível para os mesmos?
            E se tal decisão – como é aventado -, tem origem sobretudo em pressões estrangeiras, mais uma vez salta à evidência, como estamos cada vez mais dependentes de alheios.
            Não há, aliás, almoços grátis.
            Também já ouvimos alguns “inteligentes” defenderem que a pergunta não deveria ser sobre o tratado mas sim se deveríamos ou não sair da UE !
            Para esses tenho a contrapor outra pergunta e que é esta: “Entende que Portugal deve desaparecer?”.
Aceitam o repto? Não vos parece, oh leitores, que há algo de errado nisto tudo?
O que se está a passar não tem nada a ver com a Democracia e está para além dela. Tem a ver com Poder. E não é linear nem claro, quem o procura.
            Para nós portugueses isto tem fundamentalmente a ver com a nossa noção de Pátria.
            Aliás tudo isto é um absurdo. É como se nos quisessem separar da nossa mãe e achassem que era complicado perguntarem-nos.
            E, bem vistas as coisas, é isto exactamente o que está em causa.
            Por isso é que antes de deixarmos, daqui para a frente, que qualquer governo negoceie seja o que for relativamente à UE, deveremos voltar a fazer o pedido, sob a forma de exigência, daquele deputado, em 1869.
            É urgente conhecer a resposta.
            A confiança exauriu-se.
            Acordem portugueses!


[1] Lembram-se de Moniz Barreto, na sua carta ao Rei D. Carlos, sobre os males da Nação?: “… quem pode entender os políticos, quem pode fartar os banqueiros …”
[2] Expresso, 22 de Abril de 1989

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