sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

GEO POLÍTICA DE ESPANHA

Não nos temos cansado de dizer – com o êxito a que já estamos habituados -, que tudo o que de importante se passa na nossa vizinha Espanha devia ser objecto do melhor estudo e atenção.
            Mas como para a opinião pública se clama que entre nós e a Espanha já só há bom vento e melhor casamento – embora ali para o lado de lá de Jurumenha, haja quem não seja da mesma opinião … -,  para quê perder tempo com preocupações que só têm cabimento em mentes obtusas que insistem em andar com o passo trocado com a História? Bom bom, é a gente derramar a vista numa lânguida praia mediterrânica bebendo uma caña e petiscando uma tapita.
            “Nuestros Hermanos” também vão nisto, mas entre eles há quem se preocupe em, por exemplo, ir reforçando o seu Poder Militar. Vamos tentar ilustrar com alguns exemplos.
            Comecemos pela Marinha: por alturas de Abril foi lançado à água em Ferrol (Galiza), um novo Porta Aviões e plataforma marítima, o Juan Carlos I, que só tem paralelo nos Marines americanos. Vai juntar-se ao “Príncipe das Astúrias”…
            Construíram ainda nos mesmos estaleiros cinco fragatas da classe Álvaro de Bazan que incorporam a mais moderna tecnologia incluindo a de defesa aérea “aegis”.
            Construíram ainda dois modernos navios polivalentes logísticos, capazes de exercerem comando e controle, transportar tropas, servir de navio hospital e reparação em alto mar.
            Estão em vias de comprarem ainda 20 mísseis de cruzeiro “Tomawak” aos EUA, para o que é necessário obter autorização do Congresso.
            Quanto à Força Aérea procederam à modernização (MLU -Midle life update), das três esquadras de F18 (Torrejon, Saragoça e Las Palmas); dos Mirage F1 que têm em Albacete e já está operacional a primeira esquadra de Eurofighter (caça de última geração) em Moron, cuja construção partilham com a Inglaterra, a Itália e a Alemanha.
            Num outro projecto em que participam, o Avião de Transporte Estratégico Airbus 400M, verão a sua 1ª aeronave ser entregue em Junho, de um total de …17! O mesmo MLU foi também feito aos vários P3M (antisubmarina) que possuem.
            Em Madrid têm dois centros de satélites a funcionar, um a ser operado pelos países da UE que integram o programa e outro só por eles…
            O Exército está a ser equipado com a última versão do carro de combate “Leopard”, que já é fabricado às dezenas em Sevilha. E já operam 30 UAVs – veículos armados não tripulados -  de alta tecnologia fabricados também em Espanha e até produziram doutrina sobre o seu emprego.
            Estamos a falar de exemplos…
            Significativo é o facto de se registar um desenvolvimento exponencial das Indústrias de Defesa, que incorporam muita tecnologia de outras indústrias civis e que está apostada na exportação, como é o caso das fragatas. O governo espanhol tenta participar em tudo o que é projecto NATO e não só. Vai receber, em termos permanentes o TLP, Tactical Leadership Program, um importante centro de desenvolvimento de tácticas aéreas, que transitará da Bélgica para a base de Albacete, já no próximo ano.
            E tendo os EUA denunciado o acordo de Defesa com a Islândia, afirmando que cabe aos europeus garantir essa defesa, de imediato os espanhóis se ofereceram para tomarem conta da respectiva Defesa Aérea (a rodar entre outros países que também a queiram fazer). No final deste esforço e neste momento possivelmente não haverá na Europa, país que se lhe possa igualar em capacidade militar clássica.
E isto note-se, sendo público e notório a pouca simpatia que uma parte considerável das forças políticas, nutrem pelas FAs; pelos graves problemas de recrutamento existente, da campanha anti militar existente em muitos meios e ainda por em alguns pedaços da Espanha (e sobretudo o País Basco e a Catalunha) serem francamente hostis à presença de unidades militares.
            E no meio disto tudo não deixa de ser curioso verificar o contencioso político com os EUA desde que o PSOE é governo o que levou o primeiro ministro até agora a nunca visitar aquele país e à proibição do desfile de uma Companhia de Marines, no dia da Hispanidad (12/10) logo a seguir à sua primeira tomada de posse condescendo, apenas, à presença do embaixador. Não será, certamente por acaso, que, mais tarde, os EUA se opuseram a uma candidatura do representante espanhol no comité Militar da NATO, ao cargo do respectivo “chairman” (concorreu ainda o polaco e o italiano, ganhando este).
            O Estado Espanhol diz abertamente que quer afirmar a Espanha como uma grande potência na Europa e  que as FAs fazem parte desta estratégia de afirmação. O que está certo e ninguém tem que se melindrar com isso.
            Parece, todavia, que as capacidades militares que se estão a construir, se destinem apenas às missões de Paz e Humanitárias em que estão muito empenhados, como também afirmam. É que tal ultrapassa em muito tal desiderato.
            Comecemos por passar a retina pelas principais operações acima referidas, em que os sucessores dos antigos Terços Espanhóis estão empenhados [1]: Líbano (desde 2007), com 1181 homens e um navio tipo corveta; Afeganistão (2002), 745 H e um destacamento de apoio no Kirziguistão de 52 H; Kosovo (1999), 621 H; Bósnia-Herzegovina (1992), 323 H; Chade (2008), 90 H. Está em estudo o envio de um ou dois navios de guerra para as águas da Somália, a fim de combater a pirataria. No total somam 3012 militares o que ultrapassa o máximo de 3000 imposto pela Lei de Defesa Nacional, aprovada pelo actual governo.
            Julga-se, pois, que para manter estes compromissos não é preciso tamanho potencial. Mas pode servir para outras coisas.
            Com o reforço que está em marcha, embora nem tudo esteja operacional, as forças espanholas ficam habilitadas a operar, simultaneamente, em dois oceanos/mares com duas poderosas forças tarefas (task force), aero-navais com base em dois porta aviões. Ou seja sem sair da defesa próxima do seu território – embora as força-tarefa estejam concebidas para a projecção do Poder longe do território -, podem operar no Atlântico Central e Mediterrâneo.
E cabe aqui recordar que o “Espaço Estratégico de Interesse Nacional”, espanhol se estende até aos Açores; o Arquipélago das Canárias sempre funcionou como base avançada das navegações para Ocidente e Sul e está muito perto da ZEE portuguesa (Madeira) incluindo as Ilhas Selvagens.
            Este poderio militar por ser empregue de vários modos na América Central e do Sul em apoio e defesa da “Hispanidad”. Serve para mostrar a bandeira; evacuar nacionais ou conter alguma fogosidade de lideres mais aguerridos …
            A aposta espanhola nas Américas é sobretudo cultural e económica (logo política, também), a que não é estranho o desejo de promover o castelhano à segunda língua mais falda no universo e a concorrer com os EUA no seu “quintal das traseiras”. A Espanha já participa na exploração da Antártida e é natural que faça acordos de colaboração nomeadamente com o Chile e a Argentina.
            É natural que as afinidades culturais e históricas empurrem a Espanha para o continente americano, mas o mesmo não se pode dizer de África. Mas África é um espaço onde os falantes da língua de Cervantes estão a apostar cada vez mais.
            Gibraltar é um espinho cravado na Moncloa. É evidente que o poderio militar serve para apoiar qualquer solução que se tente para o futuro do “Rochedo”.
            Não pretenderão, certamente, transformar o Mediterrâneo num lago espanhol, mas não andará longe a ideia de terem uma presença forte e incontornável. Em primeiro lugar para manter em respeito os países do Norte de África e impedir qualquer veleidade sobre Ceuta e Mellila; depois e no mínimo, hão-de querer estar em pé de igualdade com a França e a Itália, agora que os EUA retiraram a 6ª esquadra e a Royal Navy mantém apenas uma presença simbólica.
            A Espanha procura também reforçar a sua presença e peso na NATO e em todos os “fora” em que participa e é agressiva em querer ocupar vazios. É preciso ter em atenção o que o actual Tratado Europeu (Lisboa) prevê para a exploração dos recursos vivos da ZEE e da eventual projecto de se montar uma “Guarda Costeira” para operar do Báltico ao Egeu.
            Mas a Espanha reforça o seu músculo militar, estamos em crer, também por razões internas, por causa das autonomias e da possível desagregação politica do reino. É que as FAs são nacionais, espanholas, veneram o Rei e actuam sempre em nome da Espanha. E o seu prestígio e o que contribuírem para a afirmação da Espanha como tal e no mundo, desvaloriza as tendências centrífugas em várias regiões do seu território.
            O mesmo se passa, por exemplo, no desporto: já repararam que sem se perceber bem como, os espanhóis passaram a ganhar tudo, desde o ténis ao futebol passando pelo automobilismo, basket, etc ? Até no hóquei em patins.
            O mundo geopolítico vive de equilíbrios.
            Há que os manter para preservação da Paz.


[1] Dados retirados do jornal “ABC” de 6 de Junho de 2008.

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